Cultura

Deixem as estátuas na paz de seu silêncio

(*) Fernando Benedito Jr.

A primeira vez que vi as pessoas derrubando estátuas e me indignei foi quando os opositores dos regimes socialistas da ex-URSS e dos regimes do Leste Europeu começaram a destruí-las juntamente com os regimes socialistas. A massa enfurecida tombava estátuas de Marx, Lenin, Stálin e outros símbolos do comunismo. Jovem comunista, não gostava daquilo, achava um ato de grosseria, desrespeito e vandalismo. Mas não só porque era um jovem comunista, inclusive, antistalinista, mas por razões artísticas e estéticas. O Realismo Socialismo com suas figuras imponentes empunhando foi e martelo sempre chamou minha atenção. Gosto de estátuas, entalhes em alto e baixo relevo, e as considero obras de arte que representam um período da história da humanidade. Ademais, ficam ali, quietas, imóveis, silenciosas. Não incomodam ninguém. Quando muito, devem ser ressignificadas, ter uma explicação, um contraponto. Para cada uma de um escravista, que se coloque duas de um líder negro, negra, um abolicionista, um índio ou uma índia. Ou várias…

Ainda jovem comunista tentei enveredar pela arte escultórica sem muito sucesso. Fazia umas toscas estátuas de inspiração africana, que eram horrorosas, mas as considerava lindas. Ainda mais depois de terminá-las com as mãos escalavradas. Ia com o Geraldinho Lemos ver as mostras de cinema em Belo Horizonte e sempre passava no Palácio das Artes para ver as esculturas de barro do mestre Vitalino e outras obras entalhadas em vinhático de um autor que não me lembro o nome, mas que eram de uma genialidade incrível. Corpos se enroscavam em entalhes perfeitos no verso e anverso da madeira, unindo-se uns aos outros em perfeição que nunca consegui atingir com meus toscos pedaços de madeira, nem no melhor dos meus sonhos. O mestre Reinaldo Maciel sabe como é difícil esta arte.

Na praça Sete, às vezes parava para ficar admirando o Pirulito. Claro, não demorava muito por ali.

Vagando pela Argentina, admirava o Obelisco, na 9 de Julio, que eles consideram fálico – tanto quanto o da Praça Sete, só que gigantesco – imitando o de Washington. Me extasiava com as estátuas do Cemitério da Recoleta e as estátuas equestres retratando os heróis nacionais espalhadas por toda a cidade, como Simon Bolívar, San Martin e outros generais e caudilhos, que admirei também pelas ruas de Santa Cruz de la Sierra, La Paz e Porto Alegre.

A arte sacra mineira é repleta de esculturas. Desde o mestre Aleijadinho às pequenas e despretensiosas esculturas de barro do Jequitinhonha, de onde vem também as tenebrosas e encantadoras figuras das carrancas. Puro sincretismo. Em Itabira, perto da casa do amigo Jackson de Pinho Tavares, fica a de Durval Santeiro. Passava em sua porta, às vezes para ver se seu espírito seguia em atividade, mas qual nada. Só mesmo aquela atmosfera itabirana do passado permanecia e, salvo engano, uma pequena escultura próximo à porta da rua. Já me dava por satisfeito.

As esculturas são obras de arte com suas expressões, representações, significados, como as de Botero, Vilma Nöel, Da Vinci, Michelangelo, famosos e anônimos. Não há porque destruí-las. Elas não tem culpa de ser o que são. E nos ajudam a compreender um tempo que se foi, o tempo presente e o que virá. São história.

Destruição por destruição, já basta a que o governo promove no País. Ou acham pouco o incêndio no Museu Nacional e na Cinemateca de São Paulo.

(*) Fernando Benedito Jr. é jornalista e editor do Diário Popular.

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