Cultura

O poeta peruano encontrado ao acaso

(*) Fernando Benedito Jr.

Nestas vastas e cáusticas terras de Rancharia, no Oeste de São Paulo, um dos maiores municípios em área territorial do Estado, nada acontece. O calor insuportável, certamente provocado pelo desmatamento que deu lugar às imensas pastagens, campos de soja, milho e cana, se acentua com o aquecimento global. Cortando a pé a pequena cidade de umas 30 mil almas, vejo um senhor e uma acompanhante com ares de cuidadora olhando a vitrine de uma loja vazia, onde outrora fora uma padaria. Aqui, nada parece durar muito. Resolvi puxar conversa e falei que tinha pensado naquele lugar para abrir um restaurante. A moça cuidadora, acho, disse que era uma boa ideia, aí eu disse que não era, porque nunca paro muito tempo em lugar nenhum:

– O senhor não é daqui?

– Não. Cheguei há pouco tempo.

– Ele também não é. – disse a respeito do senhor que a acompanhava.

Por um momento pensei que ele tivesse algum distúrbio de fala ou Alzheimer ou algo que o valha e talvez até tenha, mas num momento de lampejo, entrou na conversa:

– Sou peruano.

– De Lima?

– Sim, de Lima.

– Que ótimo.

– Y soy escritor y poeta.

– Yo también escribo. Yo soy periodista.

– Jornalista se diz acá, não é.

– Si.

– Me chamo Julio Garrido Huaynat.

E me sugeriu que procurar por seu nome no Google. O que fiz no mesmo momento. E lá estava ele, com sua face redonda estampada numa notícia do jornal “Correo”, sobre o lançamento de seu livro “Cartografía de mi cuerpo”.

Entre outras informações, a matéria dizia: “Garrido Huaynate tiene publicados libros de poesía y narrativa. Destacan Poemas para no morir(2009) y el poemario Mi Padre en Piedra (2011). En cuentos, sus obras más importantes son El Abeja y la otra banda (2007), Nana Meni, Corazón Dulce en huitoto, y Cuentos de desamor. Es también autor del bet seller Manual del infiel profesional (1999)”.

Saudoso de Neruda, e quem li as obras completas, que nunca encontrei em lugar nenhum, dei por felicíssimo em conhecer pessoalmente a Julio Garrido, outro autor latinoamericano, ainda que em tão rápida e estranha circunstâncias.

Segundo a notícia do “Correo”, de 2017, o novo (deve ter outros, pelo que me disse) livro de poemas de Julio Garrido seria apresentado pelo psicanalista Saúl Peña Kolenkautsky, pelo poeta Marco Martos e por Ricardo González Vigil, um dos críticos literários mais importantes do Peru e autor do prólogo do livro. Na introdução da obra, diz o crítico Ricardo Vigil: “Lo que hace único el poemario es que nace de una visión madura de la trayectoria vital. Una ‘toma de conciencia’ que nos hace recordar el lema de Apolo (adoptado por Sócrates) ‘conócete a ti mismo’; iluminación que Aristóteles, examinando la tragedia, llama anagnórisis. El inventario de sus órganos corporales trasciende lo anatómico y lo puramente material; desnuda las vivencias psicológicas y espirituales general: sensaciones, sentimientos, reflexiones, proyectos de y una tenaz búsqueda espiritual del ideal, ocupando un rol preponderante los deleites y tribulaciones amorosas”. Foi o autor da obra que recebeu estes elogios que encontrei ao acaso, aqui nas ruas de Rancharia, onde nada acontece.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.

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