Cultura

A sociedade atual diante dos conceitos de “Homem-Deus” e de “Super-Homem”

(*) Wanderson R. Monteiro

Vivemos em uma sociedade cheia de problemas e dificuldades e, com isso, não é difícil de encontrarmos pessoas pensando em meios de melhorar o mundo e a sociedade em que vivemos. Nas diferentes mídias e redes, não é raro surgirem intelectuais e especialistas nos apresentando aquilo que, em seus pensamentos, seria a sociedade ideal, isenta de problemas e o mais próximo possível daquilo que poderia ser considerado como uma sociedade perfeita.

No campo da filosofia, diversos pensadores propuseram ideias sobre a construção da sociedade ideal, e trouxeram grandes insights e ideias para serem discutidas.

Nesse texto, quero destacar duas concepções parecidas sobre como poderia ser uma sociedade “melhor”, – segundo alguns pensadores -, com base no que dizem Nietzsche, e um dos personagens de Fiódor Dostoiévski em “Irmãos Karamázov”.

Ao analisar as visões desses dois, é possível enxergar grandes paralelos que podem mostrar que a sociedade contemporânea, em muitos aspectos, assemelha-se àquelas idealizadas por ambos.

Em uma parte do livro “Irmãos Karamázov”, de Fiódor Dostoiévski, o “diabo” fala a Ivan Karamázov sobre o surgimento de um novo tipo de homem que, aos seus olhos, seria visto como um deus – ou, “Homem-Deus”.

Esse novo “tipo” de homem, que iria compor a nova sociedade, seria um ser que amaria a vida “terrena”, aproveitaria e desfrutaria dos prazeres humanos sem se importar com uma possível vida futura. Um novo tipo de homem que não se importaria com o mundo espiritual, que não se importaria com o céu ou com o inferno.

Esse novo tipo de homem seria guiado pelo prazer e pelo orgulho. Dostoiévski narra, através de seu personagem, que, para esse novo tipo de homem, o prazer e as alegrias terrenas substituiriam completamente quaisquer prazeres ou alegrias que pudessem ser esperados por uma vida em um plano celestial.

Segundo o personagem de Dostoiévski, vivendo dessa forma, tal Homem-Deus aproveitaria sua passagem terrena sabendo que, depois de sua morte, não existiria mais nada para se apegar ou esperar.

Conforme o personagem de Dostoiévski, só uma coisa seria necessária para o surgimento desse “tipo” de homem: a destruição da ideia de Deus.

A tese do personagem é que o ser humano deveria abandonar todo o seu conceito de Deus e suas concepções sobre o mundo espiritual para que ele pudesse viver sua vida plenamente feliz, se importando apenas com seu prazer e felicidade terrenas.

Dostoiévski, através de seu personagem diabólico, apresenta a concepção desse “Homem-Deus”, um ser desprendido das preocupações espirituais, guiado pelo prazer e orgulho, alheio ao divino, e as coisas relacionadas a Deus e ao Sagrado. Essa ideia tem grande relação com a visão nietzschiana do “Super-homem”, um ser autossuficiente e egoísta, desprovido da moral tradicional. Nietzsche, ao proclamar a morte de Deus, apresenta uma sociedade de super-homens regidos pela vontade de potência, que almejam a excelência em detrimento dos padrões éticos convencionais.

Na contemporaneidade, observamos uma sociedade que, de certa forma, mesmo sem saber, abraça os preceitos apresentados por Nietzsche. O individualismo exacerbado, a busca desenfreada por poder e o descaso para com os padrões éticos refletem a influência do pensamento nietzschiano. As relações interpessoais se tornaram, em muitos casos, superficiais, reproduzindo a solidão proposta pelo “Super-homem” nietzschiano.

Contudo, é nosso dever questionar os “benefícios” dessa forma de vida. A sociedade atual, marcada pela competição desenfreada e desprezo pelos princípios éticos, não se mostra como um coletivo mais feliz ou virtuoso. Os valores questionáveis e o relativismo moral característicos da era contemporânea nos fazem refletir sobre a concretização da sociedade apresentada por Nietzsche. Isso deve nos levar a repensar urgentemente nossos padrões de convivência e valores sociais.

A reflexão sobre a sociedade proposta por Dostoiévski e Nietzsche converge em um ponto crucial: a necessidade de repensar o individualismo desenfreado, e os problemas causados pelo completo rompimento com a ideia de “Deus”. Dostoiévski alerta para o perigo de um “Homem-Deus” desvinculado do espiritual, enquanto Nietzsche, ao defender o “Super-homem”, nos alerta para os riscos de uma sociedade excessivamente egoísta.

Diante desse panorama, torna-se urgente resgatar os princípios de solidariedade, da ética, do amor e respeito ao próximo, e do altruísmo. Reconstruir os laços sociais, redefinir o conceito de sucesso e repensar o sentido de “poder” e “felicidade” são passos extremamente importantes para trilharmos um caminho mais equilibrado e humano.

Assim, é essencial romper com os princípios dessa sociedade que, mesmo sem saber, caminha a passos largos em direção a forma de vida apresentada por Nietzsche, buscando resgatar os valores que promovam uma convivência mais saudável e significativa. Ao deixarmos de lado a busca desenfreada pelo poder individual, nos voltarmos para o bem-estar social, e nos preocuparmos com a sociedade em si, poderemos construir um futuro mais promissor, não apenas para nós, mas também para as gerações vindouras.

(*) Wanderson R. Monteiro é escritor e jornalista.

(São Sebastião do Anta – MG)

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