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Quintão lava as mãos e quer terceirizar a saúde de Ipatinga

Fernando Benedito Jr.

IPATINGA – Quem duvidava das más intenções do governo Quintão (PMDB) com a área de saúde em Ipatinga, agora pode ter certeza. O chefe do Executivo ipatinguense protocolou e em seguida retirou de tramitação na Câmara Municipal o projeto de Lei 072/2017 que revela a péssima idéia de terceirizar o setor de saúde na cidade, entregando-o à iniciativa privada, travestida de instituição beneficente. As primeiras versões das informações controversas davam conta de que Renato Fraga, ex-secretário de Saúde na gestão anterior de Sebastião Quintão, também sogro de Rodrigo Quintão, o filho pródigo, que é quem na verdade rege os destinos da cidade no lugar do pai, seria o principal beneficiado. Renato Fraga é sócio da Beneficência Bom Samaritano, de Governador Valadares. A mesma iniciativa foi tentada em Coronel Fabriciano. Ao municipalizar o São Camilo, o governo de Marcus Vinicius Bizarro – “parceiro” de Quintão na formulação de um idêntico Plano de Governo durante a campanha eleitoral de 2016 –, mudou o nome da instituição para Hospital “José Maria de Morais” e pretendia transferir o gerenciamento para outra mantenedora, a Beneficência Bom Samaritano, de Renato Fraga. O convênio com o Bom Samaritano, contudo, jamais foi consolidado, porque Fabriciano não possui gestão plena da saúde.

Demonstração de má-fé, com meias palavra e mentiras inteiras: o projeto chegou à Câmara de Ipatinga como Programa Municipal de Publicização, na verdade, uma privatização

DUPLO SENTIDO
Em Ipatinga, a idéia é transferir a uma entidade beneficente, que não precisa necessariamente ser a Bom Samaritano, a gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Hospital Municipal de Ipatinga (HMI) e possivelmente as Unidades Básicas de Saúde, privatizando todo o sistema de saúde pública da cidade. Formulada sob a escaramuça de Programa Municipal de Publicização (um termo ambíguo que tanto pode ser o ato de dar publicidade, divulgar, fazer com que algo se torne público; como “mudança da administração de serviços públicos que passam para o domínio particular, sendo seu financiamento responsabilidade do poder Executivo”).
Então em bom português, o Programa Municipal de Privatização do governo Sebastião Quintão, por ora, voltou aos meandros da Prefeitura Municipal para arranjos que lhe tirem as feias tentativas de, à socapa, tentar novamente enganar o povo.

MENTIRAS
As más intenções, todavia, já se manifestavam pouco antes do projeto ir parar na Câmara Municipal e ser retirado às pressas. A vereadora Lene Teixeira (PT), diante das “controversas informações” sobre a terceirização do setor de saúde, enviou ao secretário municipal da área, Ededwin Windsor Greffe da Cruz, um ofício solicitando informações sobre o assunto, a partir de reportagem publicada no jornal “Diário do Aço”. O secretário do governo da mentira respondeu em ofício: “Esta secretaria não se manifestou diante do exposto no jornal Diário do Aço por não ser verdade as informações ali contidas. Fato é que nenhum movimento de terceirização, remoção, ou transferência de valores ou pessoas foi realizado por esta administração no setor citado“. Meias mentiras. Enquanto isso, nos bastidores, era urdido o malfadado Projeto de Lei terceirizando a saúde pública da cidade.

O PROJETO
O projeto de Lei 072 enviada à Câmara e já recolhido, em primeiro lugar quer mudar o artigo 1º da lei 2340 de 2007, com o objetivo de alterar o procedimento para a qualificação pelo Poder Executivo de entidades conhecidas como Organizações Sociais. Atualmente o artigo tem a seguinte redação: “O Poder Executivo poderá qualificar como Organizações Sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta lei”. Na verdade, ao governo interessa somente alterar a parte que trata da saúde, mas numa tentativa de complicar ainda mais o negócio para dificultar o entendimento, o projeto estica a privatização a outros setores.
Diz o governo: “Todavia, a referida Lei não prevê a possibilidade de qualificar como organizações sociais as entidades filantrópicas, em clara omissão à constituição Federal que, em seu art. 199 parágrafo 1º, preconiza: Art. 199 (…) Parágrafo 1º) As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. Claro, não se trata de qualquer entidade filantrópica sem fins lucrativos, mas apenas aquelas que preencham alguns requisitos para participar de um chamamento público (modalidade de licitação), que exclui grande parte das entidades beneficentes.

FILANTROPIA COM CHAPÉU ALHEIO

“Assim – argumenta o governo em seu projeto de lei –, a alteração que ora se propõe na lei municipal traz o objetivo de também qualificar, como organizações sociais, as entidades filantrópicas”.
“Lado outro – continua –, a presente proposta visa melhor especificar os recursos financeiros para subsidiar o funcionamento das entidades na execução do contrato de gestão, bem como definir por lei a forma de escolha da Organização Social para celebração de contrato de gestão; ressalte-se que o chamamento público, conforme se propõe institui como forma de convocação das entidades é o mais democrático instrumento de publicidade hoje utilizado para promover a participação da sociedade organizada na execução das políticas públicas”.
Em primeiro lugar, no atual governo não há lugar para participação da sociedade organiza em nenhum espaço. É preciso deixar claro que toda e qualquer terceirização traz embutida em seu âmago a precarização, uma vez que a maximização de lucros e resultados e minimização de custos e investimentos é a regra basilar dos “negócios”.
Em segundo lugar, a administração municipal lava as mãos e se exime de sua responsabilidade que é a atenção básica à saúde, transferindo-a a terceiros. E mais: entrega todo um patrimônio que foi construído ao longo de muitos anos e à custa de muito sacrifício de toda a população da cidade.
E, finalmente, ao contrário de obras públicas e serviços de parques e jardins, os serviços de saúde lidam com a vida humana. A precarização, para além do nível em que já está, significa a mais absoluta irresponsabilidade, que irá colocar em risco a vida de muitas pessoas.

“EFICIÊNCIA”
Entretanto, o governo Quintão insiste em ver as coisas de outra forma: “Vê se pois, ser imprescindível fazer a adequação da Lei 2.340 de 2007, atribuindo ao Poder Executivo municipal a faculdade de qualificar como Organização Social as entidades privadas sem fins lucrativos e as entidades filantrópicas, a fim de se atender ao princípio da eficiência administrativa”.
Aqui, além de admitir sua incompetência para gerir os serviços de saúde na cidade, já que reconhece sua ineficiência, o governo tenta se desvencilhar do “problema” transferindo-o a outrem, no caso à tal entidade filantrópica. Coisas de bom samaritano.
Na apresentação do projeto, o governo pede que sua tramitação, por razões óbvias (evitar a polêmica e o debate público, por exemplo), se dê em regime de urgência.

PRIMEIRO PASSO
A intenção do governo Quintão, caso o projeto retorne à Câmara e seja aprovada a qualificação das entidades beneficentes como Organizações Sociais de direito privado sem fins lucrativos, estará sendo dado o primeiro passo para o “chamamento público” para a terceirização da saúde pública municipal. O projeto de Lei já estabelece os critérios das instituições que podem participar do processo. E poucas se enquadram.

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