Cidades

Pedro Rolim faz a travessia para encontrar Dona Chames

(*) Fernando Benedito Jr.

Conheci o Pedro Rolim na clínica de reabilitação cardíaca. Ambos infartados. O meu tinha sido o primeiro. Pedro já era veterano em infartos e, portanto, sabia tudo sobre os males do coração, tanto os físicos quanto os sentimentais. Sabia o que era bom, o que não era, o que se podia fazer e o que não era recomendável. Ele mesmo não seguia à risca as recomendações, mas acabou se tornando meu amigo e meu “médico prático”. Um adepto do ócio criativo – ao que me consta, nunca trabalhou na vida – era um “bon vivant”, displicente com certas coisas.

– Ô Expedito…

– É Benedito, camarada. – e isso depois de sete anos de relacionamento.

Entre as viagens à casa no Sul da Bahia, passeios de lancha e um violão, gostava de contar histórias, a maioria irreais, como se tivesse acabado de sair do cinema, tão mirabolantes e conspiratórias eram algumas delas.

-Menos, Pedro. – pedia eu, quando ele carregava nas tintas.

Às vezes, se empolgava e exagerava. Certa vez pilotou um Tupolev levando armas para rebeldes afegãos. Não sei de onde tirou esta história, mas devia ter visto “Rambo” recentemente.

E contava com uma verossimilhança, uma firmeza, que parecia fato incontestável.

Muitas tardes passamos, ali, na varanda, tomando café e proseando, eu, ele, Dona Chames, um ou outro que chegava e ficava ou só passava mesmo. Outros faziam da grande casa um pouso, como o juiz José Clemente Piedade de Almeida; e Naquinho, que também morava por lá na época.

Isso foi antes da pandemia. Antes de Dona Chames Rolim partir, aos 103 anos, também numa manhã de segunda-feira, no dia 12 de abril deste ano.

Agora, lá se vai o Pedro juntar-se a ela e aos seus. Meu amigo e “médico prático” sabia tudo do coração, mas esse novo vírus o surpreendeu. Amigo das conspirações, Pedro Rolim poderia ter inventado histórias a respeito do assunto, mas os mistérios desta nova doença ainda estão por ser desvendados. Enquanto isso, a cada dia, mais um amigo, um conhecido, um vizinho que se perde.

Que a travessia seja suave, meu amigo Pedro.

(*) Fernando Benedito Jr. é jornalista.

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