Policia

Parentes de adolescentes ainda esperam por justiça

Eduardo Dias Gomes: tiro na nuca;Nilson Nascimento tinha 14 anos; John Enison, neto de Maria da Conceição

 

IPATINGA – O histórico de impunidade no Vale do Aço parece estar chegando ao fim. Na última sexta-feira (19) foram presos dois agentes da Polícia Civil suspeitos de envolvimento no desaparecimento de quatro adolescentes moradores do bairro Caravelas.
Os corpos de John Enison da Silva, de 15 anos; Nilson Nascimento Campos, de 17 anos; Felipe Andrade, de 15 anos, e Eduardo Dias Gomes, de 16 anos, foram encontrados na localidade de Revés de Belém, distrito da Caratinga, no dia 30 de outubro de 2011. Eles estavam nus e com perfurações de disparos de arma de fogo na nuca.

Os mandados de prisão preventiva foram expedidos pela Justiça da Comarca de Caratinga contra o médico legista José Rafael Americano e o investigador José Cassiano Guarda. Eles foram levados para a Casa de Custódia da Polícia Civil, no bairro Horto, em Belo Horizonte.
As investigações estão sendo conduzidas pela equipe do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de Belo Horizonte (DHPP). Segundo o delegado Wagner Pinto, o inquérito corre em sigilo, a exemplo também das investigações sobre a execução dos jornalistas Rodrigo Neto e Walgney Carvalho.

PARENTES
Para a aposentada Maria da Conceição Silva, de 68 anos, o neto era um menino desobediente. John Enison veio para Ipatinga, morar na casa da avó, depois que a mãe adoeceu.

A avó viu o neto pela última vez no dia 24 de novembro, quando esteve na 1ª Delegacia Regional de Ipatinga para liberar o adolescente, que estava apreendido sob a acusação de tráfico de drogas.
Os quatro menores estavam na rua Lorena de posse de pedras de crack, segundo o boletim de ocorrências feito pela Polícia Militar. Maria deixou que o neto ficasse no Centro da cidade, aguardando a liberação dos amigos Nilson, Felipe e Eduardo.

“Queria saber o que realmente aconteceu naquele dia. Tem um ditado que diz que quem deve, paga. Não desejava o mal para o Jonh, mas um destino diferente, porque ele era um menino inteligente”, lembrou.
Logo que os corpos foram encontrados em 30 de outubro, os familiares conseguiram identificar os adolescentes por tatuagens e marcas de nascimento.

DNA
Apenas o de John Enison dependia de exame de DNA. No dia 4 de outubro, Maria da Conceição esteve com uma filha em Caratinga para recolher amostras de sangue para a identificação do quarto corpo, encontrado no matagal em Revés do Belém.

Nesta semana, a aposentada revelou ao Comitê Rodrigo Neto que nunca recebeu o resultado do exame. Por isso, os restos mortais de John Enison ainda estão enterrados no Cemitério de Revés do Belém como indigente.
“Se meu neto não estivesse na rua contaminada estaria agora com 17 anos, trabalhando para me ajudar. O que desejo dizer é que muitos não pagam nessa terra, mas pagam com Deus. Tomara que a justiça seja feita. No escondido tem muita gente e que faz barbaridade”, declarou a aposentada.

Ao final da entrevista Maria fez um apelo para que as autoridades mudem a realidade dos adolescentes. “Queria um jeito de dar apoio a essas crianças. Fazer uma internação e dar serviço a eles. Isso pode ajudar a consertar aqueles que são desobedientes, como era o meu neto”, lembrou.


Maria da Conceição viu o neto John Enison pela última vez no dia 24 de novembro, na 1ª Delegacia Regional
de Ipatinga

COVARDIA
O mesmo sentimento de angustia é compartilhado por Maria Aparecida Gomes, de 52 anos, avó de Felipe Andrade. O neto veio de Governador Valadares para Ipatinga com o objetivo de comemorar o aniversário dela.

“A minha filha Valcilene não se conforma com a morte do Felipe. Isso é um sofrimento para uma mãe e uma dor que não tem fim. A saudade que a gente sente aumenta a cada ano. A mãe do Felipe chegou a dizer que se ficar cara a cara com quem matou o meu neto, ela é capaz de fazer justiça com as próprias mãos”, comentou.

Maria lembrou que os menores foram ameaçados na rua por um policial, mas não soube identificar de qual corporação. “Ouvi dizer que um dos policiais declarou abertamente que aquele seria o último ‘pulão’ que os meninos sofreriam”, citou a dona-de-casa, fazendo referência à apreensão dos quatro menores por tráfico.

TEMOR
Quanto à prisão dos dois suspeitos de envolvimento na execução dos menores, que ficou conhecimento como Chacina de Revés do Belém, a família de Felipe se diz temerosa em função do envolvimento de agentes de segurança.

“Tanto faz se foram presos, quero estar longe disso aí. Mexer com polícia é um perigo, dependendo do que acontecer pode ter vingança. O Deus a que sirvo é maior do que tudo isso e não vai deixar acontecer nada de ruim. Não quero que aconteça a alguém da minha família o mesmo que aconteceu com aquela menina do Cidade Nova. Ela abriu a boca e acabaram calando ela”, relembrou Maria Aparecida.

A dona-de-casa se referia à execução de Rafaela Miranda de Jesus, de 19 anos, ocorrida no dia 1º de maio de 2012, cerca de dois meses após ter testemunhado uma abordagem policial em Santana do Paraíso, que culminou no desaparecimento dos garotos identificados como Jonathan, Vitinho, Luciano e Wesley.


Maria Aparecida, avó de Felipe Andrade, lembrou que os menores foram ameaçados na rua por um policial,
mas não soube identificar de qual corporação

ENTENDA O CASO
Os quatro corpos em avançado estágio de decomposição foram encontrados por funcionários da Cenibra, no dia 30 de novembro, em uma área conhecida como Lagoa Bonita – Talhão 5, nas imediações do município de Revés do Belém.

Os cadáveres estavam nus e apresentavam perfurações produzidas por disparos de arma de fogo na altura da nuca, o que indica execução. Próximo a um dos cadáveres foi localizada uma carteira de trabalho e uma certidão de nascimento em nome de Helberton Semeão Moraes. Só que os documentos não pertenciam a nenhuma das vítimas já identificadas. Os cadáveres estavam em uma área de difícil acesso. Na região em que os corpos foram encontrados, já foram registrados outros casos de localização de cadáveres.

Os quatro adolescentes, entre 15 de 17 anos de idade, foram vistos pela última vez por familiares no dia 24 de outubro. Neste dia, eles foram abordados pela Polícia Militar e encaminhados para a Delegacia da Polícia Civil. Ao serem liberados por volta das 18h, um dos adolescentes apedrejou uma viatura de Polícia Civil. Foi a última vez em que eles foram vistos antes dos corpos serem encontrados.

ENVOLVIMENTO DE POLICIAIS
Em entrevista ao jornal Vale do Aço, do dia 2 de dezembro de 2011, o delegado Carlos Alberto Bastos, da Polícia Civil de Caratinga, não descartou a hipótese de envolvimento de policiais.
“Todos (Eduardo, Nilson, John Enison e Felipe) estavam envolvidos com drogas. Eles foram presos dias antes de serem encontrados mortos. A gente não sabe e pode ser que sim (que haja a participação de policiais). Vemos diariamente nos noticiários a atuação de milícias (muitas compostas por policiais) no combate ao crime. Isso não acontece só aqui e no Rio de Janeiro, tem ocorrido é em todos os cantos do nosso país. Mas, agora, quem vai apurar se policiais estão ou não envolvidos nessa chacina é a Delegacia de Ipatinga”, declarou.

Ele disse que encaminharia o inquérito para a PC de Ipatinga, em função da maior facilidade nas investigações. Na época, o então chefe do 12º Departamento de Polícia Civil, Walter Felisberto, disse que uma das linhas de investigação era a de que policiais (civis ou militares) poderiam estar envolvidos no crime. Tanto ele como o então delegado regional

João Xingó disseram à imprensa que solicitariam ao superintendente da Polícia Civil em Belo Horizonte, Celso Ávila, apoio de uma equipe da Divisão de Crimes contra a Vida para colaborar nas investigações, dada “a complexidade do caso”. O então delegado regional de Caratinga, Gilberto Simão, também afirmou que ia requerer que o inquérito fosse remetido à Delegacia de Homicídios da capital mineira.

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