Cultura

O encantador de serpentes: uma metáfora da vida

(*) Walber Gonçalves

Todas as tardes naquela mesma praça a cena se repete, a poucos metros da entrada principal da imponente catedral ele arma seu espetáculo, cuidadosamente e mantendo a calma de sempre.

Um senhor apresentando meia idade, com indícios de calvície e com alguns cabelos brancos senta-se de pernas cruzadas de frente a um saco branco, igual aqueles que são usados para o transporte de café ou açúcar. Mesmo não sendo possível ver o que se encontra dentro dele, é nítido que algo vagarosamente se movia em seu interior e de posse de um porrete em uma das mãos ele minuciosamente o utiliza para desenrolar a boca do saco.

Assim que a boca do saco é aberta aquilo que se mexia lá dentro começa a ganhar a direção da liberdade. E não demorou muito a criatura misteriosa aos poucos despontava pela boca do saco, podendo ser vista por uma porção de transeuntes, que pela curiosidade se aglomerava ao redor do homem.

A criatura que causava espanto, medo e curiosidade era uma cobra, uma serpente reconhecidamente como venenosa e cruel, capaz de matar seu algoz, sem dó nem piedade. Sua mordida cheia de veneno permitirá apenas mais algumas horas de vida.

Mas o que deixava a todos atônitos é que aquele homem ficava sentado muito próximo dela, se fosse possível medir a distância entre os dois não passaria de meio metro.

Para deixar a cena ainda mais estranha, o homem, após deixar o porrete que estava em sua mão posicionado ao seu lado, pois de acordo com ele poderia ser usado caso a cobra o atacasse, começou a tocar uma flauta, emitindo um som melodioso. Neste instante a serpente, que já estava quase que totalmente fora do saco, parou e começou um movimento de erguer a cabeça cerca de trinta centímetros do chão. Neste momento os que estavam ao seu redor observando, ficaram apreensivos, pois pensaram que a serpente estava preparando um bote fatal.

Depois de uns minutos, pois pareceria que a cena estava congelada, a não ser pela melodia; o senhor lentamente aproximou-se da cabeça da serpente e de forma ligeira e ao mesmo tempo sagaz, tocou-a com os lábios. Nesta hora as pessoas pareciam delirar, pois não acreditavam no que estavam vendo.

Voltando à sua posição de origem, parou de tocar a flauta, neste instante a serpente deita-se e com o porrete em mãos novamente ele a empurra para dentro do saco. Todos ficam encantados e como forma de retribuir doam algum dinheiro para o senhor, que agradecido diz que no noutro dia estará ali de novo para repetir o feito.

Pena que as pessoas não sabem que o encantador de serpentes, tirou dela as presas, cegou-a e a mantém sempre muito bem alimentada. E através de uma falsa autoridade adquirida e admirada continua enganando as pessoas que existem em propagar os seus feitos de herói, como se fossem verdadeiros.

(*) Walber Gonçalves de Souza é professor.

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