Cultura

Matem o mensageiro

Foto: Jeremy Renner interpretando o jornalista Gary Webb em cena de “Matem o Mensageiro”

(*) Fernando Benedito Jr.

Não é incomum que diante de uma má notícia se busque desqualificar o mensageiro como forma de negar a mensagem, o conteúdo, a informação. Desde os primórdios da humanidade esta foi uma estratégia para negar a informação que não se quer receber. O jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, por exemplo, já foi chamado de bicha, maconheiro, malandro, traidor, bandido. Foi alvo de foguetes, ameaças de morte, deportação e o escambau. Para aqueles que flertam e se enamoram da cadela do fascismo prestes a parir e não querem ouvir outras narrativas além das verdades absolutas ditas por seus “mitos”, é o jeito mais fácil de exorcizar seus demônios. Guindados ao patamar do supremo ódio e ao altar-mor da ignorância não querem saber da mensagem e do conteúdo, a menos que sejam aquelas para quais querem fazer reverências.

Fazem como Dario III, Rei da Pérsia, que ao receber a notícia de que havia sido derrotado por Alexandre, o Grande, devido a seus erros de estratégia, mandou matar o mensageiro Charidemos. Ou como Gengis Khan, que também tinha esse péssimo hábito para evitar que as más notícias se espalhassem. Não à toa, Bolsonaro trata os jornalistas como trata.

Infelizmente, nestes tempos de redes sociais vulneráveis a hackers, de big datas que controlam as informações sobre cada indivíduo do planeta como é o caso do Google, Facebook, Instagram, Twitter e Cambridge Analytica (aliás, mais hackers que quaisquer outros),é mais fácil escolher a mensagem. Afinal, matar todos os mensageiros seria o extermínio da humanidade, já todos e todas são potencialmente um carteiro, um estafeta digital, seja de suas próprias idéias ou de outrem.

Mas não é de hoje que as más notícias incomodam. Aqui mesmo, no Vale do Aço, o jornalista e radialista Rodrigo Neto foi assassinado quando publicou as reportagens investigativas denunciando as violações de direitos humanos e assassinatos cometidos por milicianos e esquadrões da morte. Marielle Franco, a seu modo uma mensageira, mesmo não sendo jornalista, teve igual destino. Snowden e Julian Assange também são mensageiros em maus lençóis, mas com destinos menos trágicos – pelo menos por enquanto.

Nas telas do cinema são inúmeros casos de desqualificação do mensageiro para “matar” a notícia. Em “Matem o Mensageiro”, baseado em uma história real do ganhador do Prêmio Pulitzer, o jornalista Gary Webb (Jeremy Renner) acidentalmente descobre documentos sigilosos sobre o governo americano e a guerra às drogas. Webb passa a investigar o caso e percebe que os próprios políticos americanos e a CIA mantém acordos com traficantes da América Central para trazer crack para dentro dos Estados Unidos e os recursos são utilizados para financiar os Contra na Nicarágua. Ele tenta tornar as suas investigações públicas para desmascarar o caso, mas passa a sofrer grande pressão para abandonar a história, tanto de seus editores quanto de políticos influentes, que não hesitam a usar todo o tipo de violência e pressão para eliminá-lo. Já em “Conspiração e Poder”, a produtora da CBS Mary Mapes (Cate Blanchett) suspeita que o presidente George W. Bush usou a influência de seu sobrenome e acionou seus contatos para não combater na Guerra do Vietnã. Ela leva a história ao ar no programa 60 Minutes, apresentado pelo lendário Dan Rather (Robert Redford). Ao invés de abalar a campanha de reeleição de Bush, no entanto, o que se vê após a exibição é um processo de descrédito das informações que coloca em xeque todo o trabalho da equipe de reportagem.

São apenas dois exemplos, mas muitos os casos. O de Glenn Greenwald é só mais um e merece outro Pulitzer, não importa de onde venham as informações. Hacker por hacker, a Cambridge Analytica – associada ao senhor Steve Bannon na campanha de Trump e do Brexit, que por sua vez é guru do possível embaixador nos EUA, Eduardo Bolsonaro –, faz muito mais mal à humanidade.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular

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