Cidades

ENEM 2012. Ou de como os números e percentuais suplantaram as ideias e os valores.

Não deveria ser assim. Essa é uma constatação muito comum que fazemos diante de alguns fatos desta nossa realidade.
O “não deveria” normalmente se respalda em nosso senso de certo, de errado, de justo, de injusto…. o “mas é”, brota de nossa constatação ante uma realidade que se anuncia maior que nossas forças para torná-la certa e justa.
Essa pequena reflexão traduz de forma simples um incômodo que tenho sentido nos últimos dias após a divulgação dos resultados do ENEM neste já quase velho 2012. É como se existisse um tapume à minha frente. Um obstáculo que me impedisse de ver um cenário sobre o qual me interesso, e do qual a sociedade precisa ter conhecimento. Há algo que impede, interfere, esconde… enfim: está errado.

Sou educadora por convicção. Acredito no poder da ferramenta educação para talhar o homem. Para retirar de dentro de cada pedra bruta que somos, obras de arte em caráter, humanidade, civilidade e capacidade produtiva.
Estive nas salas de aula de algumas das melhores escolas da região do Vale do Aço. Entre 1997 e 2010, especificamente no Colégio S. Francisco Xavier de Ipatinga, MG. Entrei num momento mágico para a escola: a obtenção da Certificação ISO 9000, que a gabaritava como primeira no país a fazer de sua gestão administrativa um modelo de qualidade aplicado à educação, mas principalmente implantava em cada colaborador e principalmente no professor, o compromisso com o bem estar e a satisfação do cliente, neste caso – o aluno.

Experiência engrandecedora. Planos de aula, de ensino, de gestão, todos alinhados com metas e respaldados por resultados. Estes, monitorados e ampliados permanentemente. A cada ano, nossa safra colhia futuros doutores nas futuras mais diferentes profissões, e nossa certeza advinha do que comprovavam os resultados de vestibulares e desempenhos acadêmicos que nos vinham em feed-back. Mas àquela altura, apesar dos indicadores de sucesso perguntávamo-nos em momentos de reflexão coletiva: estaríamos no caminho certo? Não estaríamos sendo “conteudistas” demais? Continuávamos ensinando e transmitindo valores intangíveis e imensuráveis nos testes e provas? Sim. Estávamos certos. Mas era salutar que volta e meia, refletíssemos e reforçássemos nossa filosofia de ensino como que, para não nos “dispersar” pelos números afora.

Há cerca de 6, 7 anos entretanto, decidimos contextualizar nosso trabalho no novo cenário sócio-econômico que vivia e ainda vive o Brasil: o reavivamento de valores como a diversidade, o compromisso sócio-ambiental e a tolerância, promovendo uma economia crescente, onde há avanço tecnológico e grande carência de mão de obra.
Precisávamos mudar. Precisávamos mais que isso: incluir, colorir e diversificar.
Além da implantação dos cursos técnicos, vieram então as bolsas de estudo concedidas pela USIMINAS – empresa conselhereira e indiretamente mantenedora – aos filhos dos colaboradores do nível operacional. Emanados em sua maioria de escolas públicas, careceram num primeiro momento de auxílio para adaptarem-se ao ritmo, metodologia
e até abordagens pedagógicas diferentes. Alguns trouxeram consigo certa defasagem em domínio de conteúdos.

Eram o nosso então mais novo desafio. Não foi fácil. Mas vencemos. E esta será nossa bandeira para sempre.
Inda ontem, a jovem Marcela Andrade ex-aluna bolsista cujos pais não chegaram a concluir o Ensino Médio, comunicou-me a aprovação no Vestibular de Direito de uma Universidade Federal. O filho da minha manicure e também ex-aluno bolsista do CSFX desde o 7º ano, é o mais novo aprovado no vestibular de Medicina Veterinária da UFV. E por aí vai…. são tantos os casos de superação, que emocionam.
E enquanto diversificávamos, coloríamos e incluíamos, continuamos com o trabalho de excelência que marcou a trajetória do Colégio. O CSFX tornou-se uma escola mais feliz. A consciência coletiva agora, repousa na certeza de um trabalho bem feito e feito para todos. Isso é educação.

Mas essa educação da qual me orgulho de conhecer e de ter participado diretamente por mais de 10 anos, é agora surpreendida pelo resultado pouco expressivo no ENEM 2012 – Exame Nacional do Ensino Médio. Desta vez, o CSFX não esteve entre os primeiros. Vi colegas de profissão tristonhos e questionando-se sobre as práticas adotadas.
Preciso dizer: fica assim não, gente!
Mas, se sei que por um lado, não temos com que nos preocupar – já que a pontuação das escolas é medida apenas pelo que os alunos acertam na prova, e não na vida….. por outro, precisamos e vamos agir, porque nesta sociedade competitiva em que vivemos, dirigida pelas marcas e vaidades, prima-se pelos títulos, e os ícones de novidade e modismo embevecem a massa.

E eis que aí está o obstáculo à minha frente. O ENEM foi criado em 1998 e concebido para ser uma ferramenta de avaliação da qualidade do ensino de escolas públicas e privadas do Brasil, com objetivo de propor melhorias estruturais na educação brasileira. Mas tornou-se instrumento de legitimação de negócios no ramo da educação na medida em que permitiu que “não-escolas” nele se inscrevessem – pior, concorrendo com alunos preparados pelas Escolas. Imagino que país afora isso não seja raro. Aqui, no nosso canto, temos um bom exemplo.
Vou ser direta: o Pré-vestibular Elite Vale do Aço que não apareceu nos anos anteriores, revelou-se no ENEM 2011 um fenômeno de sucesso no ranking do Enem com seus 27 concorrentes. Porque agora é uma “escola”. Implantou de um ano para cá o 3º ano do Ensino Médio. Mas… onde é mesmo que começa a vida escolar de cada aluno do “Elite”? Na Educação Infantil? No Ensino Fundamental? No Ensino Médio que é composto de 3 anos? E onde foi que esses alunos viveram tudo isso mesmo? Quando foi mesmo, que passaram a ser alunos do Elite? Eh!.. Parece que a linha de trabalho seletiva adotada por essa nova escola não se distancia do significado de seu nome.

Hoje não sou mais docente do CSFX. Mas não posso deixar de dizer que ignorar 50 anos de experiência num modelo de ensino humanista e tradicionalmente aprovado está errado. Recentemente um cego de nascença que estudou no CSFX do Ensino Infantil ao Ensino Médio e hoje é universitário lançou um livro. Lecionando lá, tive diversos alunos disléxicos, dislálicos, surdos. Também não me faltaram nos anos de docência em que lá vivi, muitos alunos hiperativos ou acometidos pelos mais variados problemas psicológicos de ajustamento ou maturidade, tão próprios das crianças, jovens e adolescentes deste nosso tempo. Cidadãos desta nossa sociedade complexa e por vezes, enviesada. Mas as questões do ENEM só medem o conhecimento. Não o que se passou para alcançá-lo.

Aos colegas professores, que sabem do que estou falando, deixo meu aconchego. Continuem o trabalho com a paz que só é possível aos que conhecem a dimensão exata da batalha e sabem que a vitória só é justa quando o que vem depois dela resulta no bem de todos – sem exceção.
Aos que não são do “ramo” registro os votos para que enxerguem além da tradicional “escadinha” do ranking montado pelo número de acertos em uma prova escrita.

Aos que governam, pergunto com a ousadia de quem não se envergonha de sonhar: haverá um dia um ENEM cuja tabulação das questões objetivas seja capaz de medir o nível de respeito de cada escola para com as potencialidades e limitações de todos os seus alunos? Cuja interpretação das respostas subjetivas permita saber qual escola tem transmitido mais valores éticos, cívicos, morais e humanísticos?
Gosto de pensar grande. Em revoluções com nome de flores ou de primavera. Em quebra de paradigmas, rupturas necessárias e formação de novas mentalidades. Sou e sei que somos em maioria, pela qualidade e pela pluralidade.
Por isso, entendo que a melhor forma de viabilizar todas essa nossa crença, é a continuidade deste trabalho incansável, abnegado e respaldado na verdade na qual tanto acreditamos.

 

(*) Nadir Ribeiro Penha. Ex-professora do CSFX, educadora, socióloga, advogada, especialista em Pedagogia Empresarial, MBA em Gestão da Qualidade em Educação e estudante de MBA em Gestão Empresarial pela FGV– Coordenadora Local dos Cursos de Pós-Graduação PUC no Vale do Aço.

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