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Cercamento do Parque Ipanema é visto como segregação e rechaçado

IPATINGA – A proposta de cercamento do Parque Ipanema foi amplamente rechaçada durante a Audiência Pública realizada nesta quarta-feira na Câmara Municipal de Ipatinga. O debate foi uma iniciativa da Comissão de Abastecimento, Indústria, Comércio, Agropecuária e Defesa do Consumidor, presidida pela vereadora Cassinha Carvalho (PSB). Diante da opinião manifestada pela maioria das pessoas que falaram na tribuna da Câmara, até mesmo os defensores da proposta se expressaram com timidez, preferindo mudar o termo “cercamento” para “ampliação da segurança” no Parque. Ao final dos debates, o presidente da Câmara, Nardyello Rocha, propôs que se faça uma pesquisa de opinião ouvindo os usuários, e utilização da Casinha do Papai Noel, após o período natalino, como posto de observação da Polícia Militar. Outras propostas foram a criação de uma Guarda Municipal e sistema eletrônico de monitoramento como formas de reforçar a segurança no local.

A pioneira Vera Tuffik, moradora do bairro Novo Cruzeiro e vizinha do Parque com o catavento símbolo da liberdade: "Mesmo os que nos agridem são vítimas da desigualdade"

CAIXA DE SKYNNER
O ativista cultural e integrante do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural, Carlos Passos, abriu os debates lembrando que em nenhum momento o Conselho foi chamado para discutir a proposta de cercamento do Parque. Ele ressaltou que existe um rito para se fazer qualquer intervenção em patrimônios tombados, como é o caso do Parque Ipanema, e citou várias leis que protegem os bens tombados. “Achei muito estranho esta intervenção que muda a estrutura de um bem tombado sem passar pelos trâmites legais”, disse, comparando a proposta a uma Caixa de Skynner, utilizada para condicionamento de ratos de laboratório.
“Cercar o Parque Ipanema é construir uma Caixa de Skynner, além do que não resolve o problema da criminalidade. Sou professor e as escolas possuem muros, câmeras e a falta de segurança persiste”, exemplificou. Passos disse ainda que a população não pode aceitar que o estado se ausente de assumir sua responsabilidade. “Os parques fechados mudam a criminalidade para a sua periferia. Por que não colocar um posto policial no Parque aberto?”, questionou.

CERCA INVISÍVEL

O ex-vereador Robinson Ayres destacou que é necessário discutir o que está por trás da proposta de cercamento. “O que é preciso discutir é a cidade que queremos. Esta idéia de cercar não é uma proposta nova, tanto que já existe um trecho cercado e a obra foi paralisada. Os argumentos da questão de segurança física e patrimonial e de que em outros lugares os parques são cercados não se sustentam. Belo Horizonte, por exemplo, já aprovou uma lei no seu Plano Diretor para retirar as cercas dos parques da cidade, porque, ao cercar os problemas se transferem para o lado de fora. Além disso, a cidade já tem uma cerca invisível que é a desigualdade social. Ipatinga é uma das cidades mais ricas do Estado e tem uma diferença social enorme. É esta cerca invisível que precisa ser discutida”, apontou.
Ele enfatizou ainda que é preciso debater a transformação do espaço público em espaço privado. “A praça do bairro Cidade Nobre virou Praça da Sankyu. Os grupos culturais foram pedir a liberação da praça para a realização do evento Desvio Cultural e o uso foi negado sob a alegação de que o espaço só seria liberado para uso religioso. Esta proposta de cercamento tem a nossa oposição radical porque não representa a cidade que queremos”, pontificou.

LIBERDADE
A pioneira Vera Tuffik, compareceu distribuindo cataventos, que destacou como um símbolo da liberdade. Moradora do bairro Novo Cruzeiro, ela lembrou que o Parque Ipanema é um complexo amplo, que compreende ainda o Bosque das Mangueiras, o Centro Cultural 7 de Outubro, o Kart Clube e outros equipamentos. “No Novo Cruzeiro as praças são o ponto de encontro das pessoas porque é um bairro onde as casas são pequenas e sem quintais. Tem o Bosque das Mangueiras onde as pessoas pegam as mangas livremente, num lugar maravilhoso. Não se vê isso em nenhum outro lugar, só nesta cidade linda”, disse, lamentando que tenha sido convidada para discutir o “cercamento” do Parque. “Preferia comparecer a esta Casa para discutir a segurança pública. Soaria muito melhor. Cercamento dá uma dor muito grande”.
Professora aposentada da rede pública municipal, Vera Tuffik lembrou que em grande parte o problema é educacional e social. “Mesmo os que nos agridem são vítimas da desigualdade. A questão não é fechar ou abrir, é resolver o problema social”, enfatizou.

INCOMPETÊNCIA

Alexandre Francisca, a Xande, também foi taxativa contra o cercamento. “Tenho 33 anos de Ipatinga e não concordo com esse negócio de fechar o Parque. Tem tanta coisa pra fazer, e ninguém quer que feche. O prefeito tem que deixar os barraqueiros lá, tem é que dar emprego. O Parque Ipanema é do povo!”, arrematou.
Para Elianderson Lima, o Parque Ipanema é o único lugar da cidade onde as pessoas se encontram. “É onde se encontram pobres e ricos, os ricos tem os clubes onde podem ir, mas as pessoas de baixa renda, não. Só lhes resta o Parque para ir com suas famílias”.
Ele criticou o governo municipal dizendo que a proposta de colocar cerca é uma demonstração de incompetência para resolver o problema da segurança pública. “O cercamento é uma demonstração da falta de competência para resolver outros problemas pelos quais a cidade está passando. Antes, todas as repartições públicas, as escolas, tinham vigilância, mas a Prefeitura está descoordenada, quer transformar o Parque numa prisão para quem o freqüenta. Querem abrir um presídio no cartão postal da cidade”, disparou.
Lucas Fagundes também criticou a incompetência para resolver o problema da segurança e apontou como sugestão a criação da Guarda Municipal em cooperação com Polícia Militar para solucionar o problema da segurança física e patrimonial no Parque. “Cercar é demonstração de incompetência”, criticou.

COMPARTILHAMENTO

A representante do Conselho da Mulher Empreendedora da Aciapi, Solange, também questionou a proposta: “Cercar é a solução? A guarda Municipal é tão mais fácil. Além disso, cercar é tratar as pessoas como animais. O Parque Ipanema é um lugar bonito que queremos preservar para nossos filhos, netos e visitantes”, disse, lembrando: “Nossas casas tem fechadura e nem por isso os meliantes deixaram de arrombá-las. Morei no exterior e lá não existe isso, existem guardas para tomar conta”.

ESTUDO

O estudante universitário e militante Leonardo Patrick se reportou à historiadora ipatinguense Marilene Tuller, autora do livro “Massacre de Ipatinga” para dizer que sempre existiu uma separação social histórica na cidade entre um lado e outro a da linha férrea que o Parque Ipanema veio diminuir, criando o compartilhamento do espaço público.
Patrick fez ainda um comparativo com um estudo realizado por estudantes de UFRS sobre o cercamento de parques urbanos, concluindo que uma minoria se sentia segura com o cercamento do Parque Farroupilha, em Porto Alegre. “A maioria se sentia insegura por falta de policiamento, iluminação, câmeras de segurança”, finalizou.
“Pra que fechar o Parque Ipanema, se tem um monte de buracos na rua para serem fechados?”, indagou o ator Kadoshi Miranda do Coletivo Deck. Ele declamou um poema criticando a segregação a partir do ponto de vista de uma cerca.

AMPLIAÇÃO DA SEGURANÇA
Em sua intervenção, a representante do Consep Eliane Soares Correia, tentou desfazer o conceito de cercamento do Parque, que foi o termo utilizado inclusive para a convocação da Audiência Pública. Segundo ela, talvez, esta não seja a expressão mais correta por causar certa confusão. “Estamos falando na ampliação da segurança no Parque. Se virmos as estatísticas de eventos de criminalidades, certamente teremos outro olhar para o problema”, disse. “Ninguém está propondo cercamento para privatizar, nem fazer muralhas”, contemporizou, destacando que a Polícia Militar está fazendo um bom trabalho, mas o pequeno efetivo policial não consegue resolver todos os problemas.
O jornalista Joel Souto, integrante do Conselho Integrado de Segurança Pública, também defendeu o cercamento do Parque. Ele disse que a discussão não é recente e vem sendo feita internamente no Consep há cerca de 10 anos. “Esta proposta foi apresentada aos governos de Robson Gomes e Cecília Ferramenta”, disse, ressaltando não se tratar de uma agenda do atual governo municipal, “mas de uma demanda levada ao Consep por pessoas que sofrem diuturnamente com a criminalidade”. “Nesta luta, já tivemos alguns avanços como a iluminação com lâmpadas de led, mas não obtivemos outras, como câmeras de segurança e a cerca”, concluiu.

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