Cidades

Barqueiros dizem que rio Doce está cada vez mais raso

IPATINGA – No porto de barco, onde chegam as canoas que fazem a travessia de passageiros entre Ipaba e Ipabinha, os “boteiros” são velhos conhecidos do rio Doce. Lembram da época em que o rio dava peixes grandes e em quantidade, contam histórias e, principalmente, sabem como o rio era e como está agora. Atualmente, quatro “boteiros” realizam a travessia. São três barcos a remo ou “catuá” (uma comprida vara de bambu usada para impulsionar a embarcação) e um a motor. Alguns ganham de R$ 80,00 a R$ 100,00 por dia, no vai e vem de passageiros.

TRAVESSIA MAIS CURTA
Antônio Melquíades de Matos, 65 anos, conta que trabalha fazendo a travessia entre Ipaba-Ipabinha, desde 1969. Segundo ele, o rio se estendia de uma margem a outra das localidades. Hoje, do lado de Ipaba existe uma extensa praia de quase 100 metros. “Antigamente, gastava-se 15 minutos para fazer a travessia a remo. Hoje gasta-se mais ou menos 3 minutos”, compara ele.

Melquíades também lembra que o rio tinha muito peixe. “Vai fazer um ano que houve uma mortandade de peixes por causa de um veneno que jogaram no rio. Então, hoje tem muito pouco. Mesmo envenenado, as pessoas comeram os peixes e ninguém passou mal”, relembra.

CANOA ENTERRADA
O “boteiro” conta que existe enterrada pelo assoreamento, onde era o porto antigo, uma grande canoa escavada em tronco. “Era tão grande e pesada que a gente firmava o catuá no fundo do rio e corria dentro dela para dar impulso”.
Indagado se ocorrem acidentes e naufrágios durante a travessia, ele diz que são casos raros. Ele se recorda de apenas um, envolvendo um morador, que não era canoeiro, mas resolveu pegar uma embarcação durante uma enchente. “Do lado de lá, em Ipabinha, ele ficou preso entre o canal e uma cerca e acabou morrendo afogado”, relembra.

MAIS RASO
O canoeiro Vanderlei Miranda e Silva, 42 anos, trabalha no porto desde os 14 anos. Ele conta que o vau do rio vem diminuindo nos últimos anos. “Antes, mesmo na época da seca, o rio passava no muro” – diz, apontando a margem do lado de Ipaba, bem próximo da rua que antes confrontava com o rio. Segundo ele, quando chove muito, o rio ainda chega lá.

Vanderlei acredita que a diminuição da água do rio seja por causa do assoreamento provocado pela dragas de extração de areia. “Aqui, de onde atualmente partem os barcos na margem de Ipaba, estamos no meio do rio. Antigamente a profundidade aqui era de 3 metros. Nos cantos, nas margens, variava de 4 a 6 metros. Hoje o lugar mais fundo na margem de Ipabinha mede de 2 a 3 metros. Do lado de cá (Ipaba), virou tudo praia”.

MUITA PRAIA
O mais novo dos barqueiros é Tiago Matos do Carmo, 25 anos, que começou como “boteiro” aos 12 anos. Entre idas e vindas está há 4 anos fazendo a travessia de passageiros no porto de canoa. Ele diz que estava trabalhando em outros lugares, mas por causa da crise voltou ao porto, onde ganha de R$ 80 a 100 R$ 100 por dia empurrando o barco com o catuá. Tiago também confirma a avaliação dos colegas de que o rio fica a cada ano mais estreito e raso.

Valdir Inácio Rodrigo 63 anos, começou a lida na travessia aos 18 anos e conhece bem o rio. Ele avalia que grande parte do esvaziamento da calha do rio é provocada pela estiagem, mas também pela degradação. “Todo ano isso acontece, mas o assoreamento é causado pelas dragas. Agora tem muita praia, pra nadar tem uns 25 metros, o resto pode ir andando. No período das águas ia até no pé do morro do Porto Antigo, onde tinha a gameleira (hoje não tem mais), onde os botes eram amarrados. Agora, faz uns 3 anos que mesmo com chuva a água do rio não chega mais lá”, lamenta.


Antônio Melquíades mostra o outro lado da margem, onde antes era o porto de canoas


O “boteiro” Vanderlei: “Hoje o lugar mais fundo na margem de Ipabinha mede de 2 a 3 metros.
Do lado de cá (Ipaba), virou tudo praia”.


“Agora tem muita praia, pra nadar tem uns 25 metros, o resto pode ir andando”


 Tiago é o boteiro mais novo, mas já é testemunha ocular da seca

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