Cultura

Alunos armados nas escolas

Foto: Policiais do GATE em frente à escola de Suzano, onde jovens abriram fogo contra colegas e professores

Vilma Lígia Pereira

O Garoto X entrou em uma escola pública em Ipatinga portando uma arma “branca”, ou seja, não era uma arma de fogo. Talvez, amparado pelos acontecimentos em São Paulo na região de Suzano, quando dois jovens entraram numa escola, atiraram em funcionárias, em estudantes como eles e cometeram suicídio. O horror da cena foi motivo para vários programas de televisão daqueles que jogam o respeito para o espaço e banalizam a ética e a moral.

O fato suscitou o medo em todo o país. O luto foi compartilhado. Ninguém quer que isso aconteça em nenhum lugar, muito menos numa escola, seja ela pública ou privada. A educação não combina com violência, seja ela qual for. E é sempre preciso perguntar sobre qual violência estamos falando?

Quando a televisão mostra reportagens como a de Suzano, tende a provocar reações desde a ira até o heroísmo se é que se pode ver heroísmo numa tragédia como aquela. Mas dependendo de quem narra e, como já venho falando, a televisão, às vezes, é muito didática quando não precisa. Por isso, precisamos ter uma disciplina na escola sobre como ver e ouvir os meios de comunicação. Sem isso, em vão estudamos, em vão formamos especialistas. Sem essa visão crítica votamos em quem libera armas de fogo, batemos palmas para quem retira nossos direitos e ficamos à mercê de pessoas, políticas ou não, que manipulam a verdade.

É preciso ter esta crítica ao ler um jornal, um livro, ouvir uma música e até mesmo nas igrejas. Na verdade, quando se adquire o poder de crítica, não se consegue mais deixar passar nada sem apurar os fatos. Qual o contexto na bíblia aconteceu tal fato? Qual foi o papel de determinado partido naquele período histórico? Quem comanda este canal de televisão e por que ela investe tanto nesse tipo de programação? Como esse canal de TV me vê? E esta música, qual a mensagem ela transmite? Por que a indústria cultural investe nesse artigo comercial e não numa outra linha com uma visão mais política e socialmente viável? São questões que valem muitas aulas. Se o nosso ensino não capacita nossos jovens para a autonomia, algo vai mal na escola.

O temor suscitado em todo o país reverberou em Ipatinga e o garoto foi denunciado com artefato para lançar medo na escola em que estuda. A polícia foi chamada e logo a Câmara chamou uma audiência pública para debater e evitar que a tragédia de Suzano não viesse acontecer aqui. Estiveram presentes vários profissionais do ensino: diretores, segurança pública, alguns pais e responsáveis.  Dessa audiência, surgiu o Fórum para discutir a violência nas escolas. Esse assunto me interessa muito pois trabalho em escola, por isso participei. E sou também mãe de estudantes dessas o que me capacita a ter muito que dizer. Ao contrário do que pensam o problema da violência (de qual violência falamos?) não é assunto apenas dos diretores e professores que estão diretamente envolvidos com os alunos, mas de todos: escola, igrejas, associações de bairro, partido político enfim, toda a sociedade.

Em algumas escolas, a primeira atitude tomada foi a vigilância particular nos portões e  sistema de controle interno limitando o acesso mesmo de alunos nas dependências da escola. Aparentemente estamos livres da violência. Mas o que este aparato não sabe é que a violência vai continuar e futuramente vamos ter que discutir a violência da violência de combater a violência nas escolas. Isso não é piada. É muito sério. A análise tem que ir além de tentar blindar as escolas e fazer gastos extras para isso em detrimento a outros gastos muito mais necessários para a educação. Investir em educação não é aumentar o gasto financeiro. Mente quem faz plataforma política com isso. A solução está no próprio aluno que chama atenção com artefatos imitando o real. Possivelmente ele só foi notado a partir do fato violento que suscitou. Antes, ele mostrou alguma outra iniciativa? Ou foi ignorado? O problema vai além. Existe outra forma de protagonismo que não é o que a escola oferece como a premiação de reis e rainhas, premiar a maior nota entre outros meios que a escola arranja para fazer distinção entre alunos e não encontra o aluno em si. Isso não promove a integração desses jovens. São realidades diferentes dentro de uma sala, de uma escola. Mas esses mesmos jovens não estão fragmentados na sociedade. No bairro onde está a escola e de onde derivam, eles têm problemas comuns e estes estão sendo levados para dentro dos muros das escolas. Mas às vezes, eles têm problemas distintos e que vão com eles para dentro da sala de aula. Porque não conseguem expor esses problemas é que é o problema. A burocracia das escolas, infelizmente, trava a relação professor e aluno. Ao invés da parceria, o autoritarismo fala mais alto. A hierarquia grita e o professor ou a professora serão sempre os que detêm o saber. E nós, do Coletivo Aqualtune, vamos insistir na questão do ensino. A partir da Lei 10639 que entrou em vigor em 2003, portanto há 16 anos, o ensino deve ter uma nova configuração. Sai o conteúdo que legitima a submissão e passividade do negro escravizado e entra a ressignificação histórica que restabelece a narração a partir de indivíduos que foram vítimas do poder político e econômico de uma elite. Segundo o mestre em História Leandro Carvalho

O ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, após a aprovação da Lei 10.639/03, fez-se necessário para garantir uma ressignificação e valorização cultural das matrizes africanas que formam a diversidade cultural brasileira. Portanto, os professores exercem importante papel no processo da luta contra o preconceito e a discriminação racial no Brasil. 

A Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Por exemplo, os professores devem ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os negros são considerados como sujeitos históricos. Carvalho, L. <https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/lei-10639-03-ensino-historia-cultura-afro-brasileira-africana.htm> Acesso em 20 de set 2019

A educação pelo medo arregimenta adeptos e, em plena discussão sobre a militarização das escolas, esquece-se o papel da educação na formação do indivíduo tratando o assunto tão necessário ao desenvolvimento do país como algo que pode ser feito de qualquer maneira com soluções radicais vindas da segurança pública diametralmente oposta ao que a educação deve propor. O resultado é a passividade de jovens ignorantes de seus direitos, submissos, marionetes nas mãos de pessoas insensatas.

A educação nunca foi uma preocupação no Brasil. Sempre foi tratada como “problema” quando, de fato, ela é a solução. Mentes pensantes ajudam a colocar o país na vanguarda em detrimento à passividade que um país tutelado demonstra quando o medo impera.

Vilma Lígia Pereira

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