Cultura

“A arte existe porque a vida não basta”

Foto: Elvira Nascimento

Texto: (*) Penélope Portugal

Em tempos de pandemia, esta frase, dita por Ferreira Gullar, faz ainda mais sentido.

Desde o mês de março, quando percebemos que a Covid-19 não era apenas um problema pontual, o mercado artístico no Brasil e no mundo virou um grande ponto de interrogação. Como um dos indicadores de sucesso da nossa área são as casas de espetáculos, cinemas e museus lotados, entendemos que tínhamos pela frente grandes desafios. Como continuar trabalhando, se não se pode gerar aglomeração? Como continuar produzindo, se atores, bailarinos, músicos e coralistas não podem mais se encontrar e contracenar num mesmo ambiente? Como manter espaços culturais abertos, se o sucesso está no público presencial, e não podemos recebê-lo?

Muitas eram as perguntas, e ainda são. Mas, voltando a Ferreira Gullar, ainda bem que a arte existe! E desde a era pré-histórica, até hoje, vem nos auxiliando no processo de autocompreensão humana. Diante do cenário tão duro e triste trazido pela Covid-19, a arte se apresenta, mais uma vez, como um respiro pra alma.

Percebemos, portanto, que mesmo tendo que desacelerar do fazer artístico em curso, linguagens já existentes ganhavam ainda mais força, espaço e reconhecimento por serem uma alternativa possível de sobrevivência mental e emocional em meio a este mundo caótico. A música, os livros, os filmes, séries e diversas outras iniciativas invadiram de forma ainda mais intensa as nossas rotinas. E como são ótimas companhias!

No Instituto Usiminas trabalhamos há 27 anos com responsabilidade social. E os desafios do terceiro setor são sempre inúmeros, mas, na minha visão, nada comparado ao que vivemos em 2020. Todo o planejamento que tínhamos para um ano cheio de ótimas expectativas foi alterado em menos de 15 dias. Precisamos nos reinventar e nos conectar com os nossos públicos e com as comunidades de outras formas; muitas vezes, nunca antes executadas.

Como nossos Teatros tiveram que ser fechados, fomos para as ruas, convocamos os artistas para uma experiência inusitada, a de realizar apresentações a bordo de um minitrio, levando música, contação de histórias, poesia e espetáculos para que as pessoas pudessem assistir de dentro de suas casas, evitando aglomerações. Nascia o Circuito Comunidade. O resultado desta ação foi, sem dúvida, mais um dos respiros que a arte traz para a alma. Pessoas emocionadas e agradecidas ao serem “abraçadas”, todos os domingos pela manhã, desde o mês de maio, por apresentações musicais, boas histórias, belas poesias. Em alguns desses dias de minitrio, deixamos na porta das casas uma muda de árvore, um sinal de esperança e parceria. Em troca, as pessoas doaram alimentos para que, juntos, pudéssemos formar uma grande rede de solidariedade em favor daqueles que mais necessitavam. Desde maio, minitrios já circularam pelas cidades de Ipatinga (MG), Itatiaiuçu (MG), Itaúna (MG) e Cubatão (MG), beneficiando um público de 35 mil pessoas.

Outra iniciativa que implantamos foi o projeto Delivery de Livros. Com a Biblioteca Central de Ideias do Instituto Usiminas fechada, um motoboy literário passou a ir até a casa das pessoas, gratuitamente, fazendo empréstimos de livros para os sócios da Biblioteca. O resultado foi a entrega gratuita de mais de 500 livros para 40 bairros de cidades do Vale do Aço.   

Pelas redes sociais do Instituto Usiminas, nos conectamos com mais de 300 mil pessoas em oito meses de pandemia por meio do projeto Em Casa com o Instituto Usiminas. Foram ofertados espetáculos teatrais e musicais, contações de histórias, aulas de yoga, dança de salão, formação de professores e mais uma infinidade de conteúdos virtuais para que nos mantivéssemos os laços com o nosso público.

Mesmo sem perceber, ou ainda negando a importância da arte e da cultura como pilares fundamentais para o desenvolvimento humano, consumimos diariamente, e na pandemia com ainda mais intensidade, as sensações e experiências que a arte nos proporciona. A crise da Covid-19 nos trouxe uma excelente oportunidade de refletirmos sobre como é importante termos políticas públicas integradas, com programas e projetos que se complementam, reconhecendo a arte como possibilidade de conexão em tantos outros contextos: a arte como educação; a arte e a saúde física e mental; a arte e seu poder econômico; a arte e o lazer; a arte como transformação social; a arte como respiro; a arte pela arte.

Enfim, depois de tantos meses, depois de tantos desafios, entendo que estamos mais fortalecidos, mais aguerridos, nos reinventamos, sobrevivemos e, talvez, compreendemos melhor o brilhantismo da frase de Ferreira Gullar.

Viva a arte! 

(*) Penélope Portugal é diretora do Instituto Usiminas.

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