Cultura

Turma do fundão

(*) Vilma Lígia Pereira

Que a escola é que vai fazer surgir o novo, todos sabemos. A educação é ainda a saída e a perspectiva de dias melhores. Não me cansarei de levantar esta bandeira, pois a cada dia noto que o desconhecimento em detrimento à propaganda que se faz do conhecimento amplo, da era da informação etc e tal, é pura falácia e o que temos mesmo é muita embromação. Que escola temos e qual a relação dela com a comunidade intra e extramuros? A crença no poder da escola pública deve ser renovada todos os dias. É a que pagamos, é a que democraticamente elegemos como educadora de nossos filhos. Mas, que capacitação esta escola proporciona? E o que ela tem a ver com esse marasmo no qual nos encontramos mesmo com esta enxurrada de informações lavajatistas que bate em nossos rostos, nos deixando perplexos por ter um projeto virado às avessas – se é que virou -, ou já veio no cerne, na semente a ideia de combater corrupção corrompendo? Isto é, para quem acredita nesses rompantes éticos que invade o Brasil de vez em quando. A corrupção no país é endêmica e, geralmente, quem se lança no propósito de combatê-la já está mergulhado nela.

Mas não dá para falar na escola sem falar no papel da televisão principalmente hoje, pois é o meio de informação mais eficaz (e não deixemos o rádio de lado). Percebe-se que educação tem sido uma extensão do que a mídia “solta” para a população. Não toda a mídia. Por exemplo, a Vaza jato tem estado frequentemente na rede social (e, em alguns jornais impressos e na revista VEJA) desde 9 de junho quando o The intercept “vazou” os bastidores da operação que desde meados desta década tem investigado a corrupção. Aí, descobre-se pelos vazamentos que a tal operação estava mesmo era fazendo seu pé-de-meia apostando na ingenuidade do povo brasileiro. E, quem garante essa ingenuidade senão os canais de televisão mais acessados como a GLOBO, a RECORD e o SBT com suas novelas, programas de auditório e seus questionáveis noticiários que prometem informação em tempo real e isenção de opinião?

Pois a escola tornou-se refém da televisão – até porque o hábito de ler jornais tem sido restrito, quando muito, ao tablóide a 0,50 centavos vendido nas padarias – por não se ter atualizado nesses 200 (duzentos) anos de instituição de ensino, ela vive a incômoda situação de só repercutir o que os outros falam. Não olha a história com olhos críticos que deveria, jogando pro “Deus dos exércitos” a solução de problemas que ela mesma poderia ser se olhasse no entorno e conhecesse a sua realidade.

Os temas abordados no dia a dia da escola são fatos envelhecidos, não ganham atualidade e nem uma vinculação com os acontecimentos recentes porque tudo o que é dito em sala de aula hoje foi estabelecido séculos atrás, pois a educação foi pensada como um projeto de atraso. “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”, disse certa vez Darcy Ribeiro e isso se torna realidade quando vemos o desserviço de uma educação “bancária” como afirmava Paulo Freire, o combativo e, atualmente, combatido educador sobre essa escola que deposita conteúdos na cabeça do estudante e não favorece o diálogo, não ouve o que este estudante gostaria de dizer ou saber. Dessa indisposição advém as agressões e a violência e esta só é vista quando o estudante agride o professor, nunca do professor contra o aluno. Se eu disser que ela existe, muitos discordarão. Mas existe a violência institucional que pode ser descrita como a imposição à força dos professores com seu saber superior intimidativo, contra o seu educando acuado, ignorante de seus direitos. Ainda é comum, ouvi ainda há pouco numa reunião da escola, dizerem que “o professor tem que ser rígido, impor limites…”, isto é, ser repressivo ao extremo. Fiquei pensando na nossa atual letargia e vi que esta educação pela força, repressiva, é uma das causas do quadro atual: não aprendemos a nos insurgir contra esta política que nos aniquila, tira nossos direitos, porque não aprendemos através de uma educação dialógica,aquela que difere da bancária porque é propositiva e reflexiva fazendo a teoria e a prática andarem de braços dados. Nesse tipo de proposta educativa não cabem notas, provas e reprovações e sim, avalia-se o processo. Mas, estamos longe desta proposta. A própria formação de professores está alijada dessa visão de educação. Numa disciplina chamada de Tecnologias não se trabalha o item proposto e sim a forma como fazer audiovisual. Claro que se pode fazer uma crítica com esse conteúdo em sala de aula, mas na formação isso tem que entrar na discussão e ir fundo no papel dos meios de comunicação e como eles atuam na formação de opinião e no desenvolvimento do pensamento crítico e não só como conteúdo para preencher a carga horária.  A formação de docentes tem muito a ver com o que deparamos nas escolas públicas hoje em dia. E a deficiência nessa formação podemos constatar nas ruas.

Desde 2013 o Brasil está dividido entre aqueles que, aparentemente desconhecem a História e, por isso, querem a “volta ao retrocesso”, a recolonização, e aqueles que querem um país livre e autônomo. Os primeiros, entre estes, muitos professores, aplaudiram o Golpe contra Dilma Rousseff e, recentemente, agradeceram a perda dos direitos trabalhistas e previdenciários. Já os que puderam ler mais e, criticamente, rever a história, estão na resistência desde que um aloprado foi “levado” ao Poder. Estamos na resistência e nos orgulhamos de saber que temos autonomia para pensar. Nossos cérebros não foram corrompidos pela reluzente televisão com seus programas de baixíssima qualidade que, embora sejam concessões públicas, agem como canais privados e é mais um assunto sobre o qual sabemos muito pouco e a escola desconhece. Mas é com essa televisão que o grande público se identifica. Infelizmente. E foi por esse desconhecimento que o “inominável” se elegeu e está promovendo a barbárie país afora. E a escola vai continuar com seu projeto de repressão.

Educação pelo medo é o que temos. Quanto mais repressivo o ensino, mais os estudantes se desestimulam e adoecem abandonando a escola cedo demais ou caindo nas garras do Estado, dessa vez nos Socioeducativos onde vão completar a escolaridade e nem vão perceber a mudança, pois repressão gera repressão e fica tudo ok. Tá…?

O que falta à educação é trabalhar a identidade. Precisamos construir novos parâmetros e desconstruir um tipo de conteúdo que forjou a história de forma que nela os que assassinaram povos, estupraram mulheres e crianças, roubaram riquezas e devastaram a natureza, entraram para os livros escolares como heróis e hoje seus nomes estão nas praças, ruas e avenidas. Acreditem: só passa de ano quem introjetar esse tipo de conteúdo. A educação no Brasil carece de um molde genuinamente brasileiro para cidadanizar seu povo, principalmente o negro que é a maioria da população.

Em 2003 a Lei 10639 foi aprovada e nela está contida a narrativa que – não fossem as ideias eugenistas que vigoraram em fins do século XIX e início do século XX forjando uma história “para branco ver” -, precisávamos saber para entender este país.A aplicação desta lei é a revisão histórica que contextualiza o ensino, tornando-o útil, necessário,descolonizando-o.

A proposta dialógica de educação, além de ser menos estafante, é motivadora para docentes e discentes. O estudante sabendo que sua atuação no mundo está sendo construída com propostas concretas terá mais interesse e participação espontânea durante as aulas. Professores serão companheiros de jornada. A escola torna-se sua segunda casa, lugar de permanência e relações enriquecedoras, de conversas construtivas e de futuros possíveis.

A propósito, a disposição das carteiras em sala de aula é uma herança daqueles tempos em que o mestre deveria apartar-se do estudante, manter distância para impor respeito. Hoje, a relação estudante e docente precisa ser mais próxima para estabelecer confiança e solidariedade. A reorganização das carteiras acabaria com o “fundão”: meninas e meninos com condições iguais de participação e atenção do professor.

O professor “carrasco” se vangloria de que com ele, o estudante “aprende”. Pode ser que ele aprenda, mas não se torna cidadão, não aprende a ser solidário, solícito, humano. Pelo contrário, perpetua a desumanidade, a competição, aquela prática do vale-tudo. Esse tipo de gente que na última eleição votou contra si mesmo.

(*) Vilma Lígia Pereira

Vilma.ligia@hotmail.com

Facebook: vilmapereira

Você também pode gostar

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com