Opinião

Tributar super-ricos é escolher justiça e eleger futuro

A presidenta do Instituto Justiça Fiscal aponta o falso dilema para a escolha eleitoral de 2022 e indica as fontes de custeio para vencer o quadro desolador de fragilidade da maioria do povo brasileiro

(*) Maria Regina Paiva Duarte

A próxima eleição, se ocorrer, certamente exigirá muito de nós. Mas não será uma escolha difícil. Para começar, terceira via não existe! Ou melhor: existe, em Bolsonaro. Este, que pode parecer insano, sádico, intratável, joga o jogo e faz política. Política que interessa aos grandes proprietários, aos multimilionários, aos super-ricos e à mídia burguesa.

Essa mídia dos editoriais da “escolha difícil” ou do “diabo não desiste”. Que segue no sofisma da ‘autocrítica necessária’ que o PT e o ex-presidente Lula não teriam feito. Como se dessa suposta autocrítica pudéssemos finalmente ter a tranquilidade para dizer: nem Lula, nem Bolsonaro!

Como se houvesse comparação! Não é possível comparar. Lula é um estadista. Gostando ou não, ele consegue um nível de articulação que ninguém chegou perto ainda. Então a mídia burguesa o chama de populista. Lula foi um conciliador: entregou muito para os pobres, mas fez concessões aos banqueiros e aos mais ricos. Quando não há maioria no Congresso, essa é a forma de governar, articulando e negociando.

Populista é um termo requentado na esteira da onda neoliberal. Quem fazia política para pobre era chamado assim. E ainda é. Quem se preocupa em fazer um programa sólido, como o Bolsa Família, reconhecido internacionalmente, levar os jovens mais pobres para as universidades, criar políticas de cotas, melhorar as condições de vida das populações mais vulneráveis, é chamado pejorativamente de populista.

Biden seria populista? Apesar do “Bidenomics” ainda não ser efetivado realmente, as propostas de cobrar mais impostos dos mais ricos e entregar aos mais pobres, melhorar políticas de cuidado, investir em desenvolvimento social e ambientalmente sustentável seriam metas populistas?

Mais de 600 mil mortes, 14 milhões de desempregados, 6 milhões de desalentados, o Real sendo uma das moedas mais desvalorizadas no mundo nos dois últimos anos, gás de cozinha e gasolina nas alturas, inflação de alimentos subindo e o mercado nervoso por causa do furo no teto de gastos. E a mídia preocupada com a autocrítica! De quem?

As off shore do Ministro Guedes e do Presidente do Banco Central Campos Neto são emblemáticas. E não houve a devida e repercussão na grande mídia, porque os donos dos grandes conglomerados e das grandes empresas de comunicação certamente levam seus recursos para os paraísos fiscais via empresas off shore.  

Não estão se preocupando que no Brasil a pobreza tenha aumentado ao mesmo tempo que o número de bilionários e suas riquezas também tenham crescido. E são os condutores da política fiscal e monetária que podem estar se beneficiando das medidas que eles mesmos elaboram. É caso de investigação, no mínimo.

As declarações do dono do banco BTG, André Esteves, são o retrato de como a “elite” se organiza e manipula o Supremo, o Congresso e o Executivo. Nossas instituições estão falhando miseravelmente. Mas falhando para a parte mais desprotegida, porque para esse modo de produção capitalista, são muito atuantes.

Há muito que fazer. O Auxílio Brasil não é como o Bolsa Família: é incerto e mal planificado, mas a fome tem pressa. É preciso distribuir renda para que as pessoas possam comer. É o mínimo para sobreviver, especialmente após o aprofundamento da crise econômica na pandemia.

Os gastos sociais são extremamente importantes e contribuem para a redução da pobreza, mas é preciso mais. O Estado precisa gastar, investir na indústria e em inovações tecnológicas, fortalecer o sistema público de saúde e a educação pública, amparar as famílias vitimadas pela covid-19, mas, sobretudo, é necessário pensar em novas fontes de recursos.

Tributar os super-ricos é essa nova fonte, pois no Brasil os super-ricos historicamente pouco ou nada contribuíram, proporcionalmente às suas capacidades contributivas.

Precisamos de recursos, notadamente os que podem ser obtidos pela tributação do Imposto de Renda. “Os ricos precisam entrar no imposto de renda e os pobres no orçamento”, como disse o ex-presidente Lula.

Será um bom começo corrigir distorções no Imposto de Renda, ao qual poderá ser agregada a tributação sobre grandes fortunas e outras medidas que caminhem para um sistema tributário mais justo e progressivo que redistribua renda e riqueza.

As possibilidades de nossa existência dependem das condições materiais. Como viver sem saneamento básico, água encanada, um teto decente, escola, posto de saúde, hospital que atenda, direito ao lazer, à cultura? Como pensar, amar, realizar? Precisamos arrecadar mais, cobrando dos super-ricos.

Não será uma pessoa, sozinha, que poderá reconstruir o Brasil. A reconstrução deve começar de baixo para cima, com a organização e mobilização da classe trabalhadora, dos sindicatos, movimentos feministas, quilombolas, LGBTQIA+, antirracistas, de defesa dos povos originários, de trabalhadores sem terra, sem teto. Enfim, uma grande mobilização popular é a possibilidade concreta para um Brasil mais inclusivo e com menos desigualdade econômica e social.

Não estamos todos no mesmo lado e, mesmo quando estamos não somos um bloco homogêneo. Atuar politicamente para além de preferências pessoais, dilemas morais e puritanismo, indicará de que lado nos posicionaremos na disputa pelo tipo de sociedade que desejamos.

A trajetória até 2022 não será fácil, mas a escolha não será difícil.

(*) Maria Regina Paiva Duarte é presidenta do Instituto Justiça Fiscal, integrante da Coordenação da Campanha Tributar os Super-Ricos. Artigo publicado originalmente no site Sul21.com.br

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