Cultura

País celebra centenário de Gonzagão

Por causa do rádio o sanfoneiro inseriu os ritmos nordestinos no mapa musical do Brasil


BRASÍLIA
– No dia 13 de dezembro de 1912, uma sexta-feira, nascia em Exu (PE) o segundo dos nove filhos do casal Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus, que, na pia batismal da igreja matriz da cidade, recebeu o nome de Luiz Gonzaga Nascimento.

Com apenas 8 anos de idade, ele substitui um sanfoneiro em festa tradicional na Fazenda Caiçara, no Araripe, Exu, a pedido de amigos do pai. Canta e toca a noite inteira e, pela primeira vez, recebe o que hoje se chamaria cachê. O dinheiro, 20 mil réis, “amolece” o espírito da mãe, que não o queria sanfoneiro.

A partir daí, os convites para animar festas – ou sambas, como se dizia na época – tornam-se frequentes. Antes mesmo de completar 16 anos, Luiz de Januário, Lula, Lua ou Luiz Gonzaga já é nome conhecido no Araripe e em toda a redondeza, como Canoa Brava, Viração, Bodocó e Rancharia.
Um século depois, muitas são as histórias que seus companheiros têm para contar desse homem que fez o povo brasileiro conhecer a dureza da vida no sertão, mas também levou muita alegria com sua sanfona para todo o país.

Sanfoneiro incluiu a música e a cultura do NE no mapa da mídia
Rio
– O cantor, compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil disse, em recente entrevista, que Luiz Gonzaga foi “a primeira coisa significativa do ponto de vista da cultura de massa no Brasil”. Gil revelou que Gonzaga foi o seu primeiro ídolo, ainda na cidade baiana de Ituaçu, onde cresceu. Por causa disso foi um acordeom, e não o violão, seu primeiro instrumento musical.

Vários nomes da música popular brasileira (MPB) que eram meninos ou jovens na época em que o baião tomou conta do rádio tiveram o acordeon, e não o violão ou o piano, como primeiro instrumento. Este também foi o caso de Milton Nascimento e de João Donato.

Função Social
Historiadores da MPB, como Ricardo Cravo Albin, destacam o papel fundamental que o sanfoneiro teve na inserção dos ritmos nordestinos no mapa musical do Brasil. Isso foi possível por causa do rádio, que vivia uma era de ouro na década de 1940.

No universo do rádio da então capital federal, um local protagonizou a grande mexida que a sonoridade da sanfona, da zabumba e do triângulo trouxeram para a música popular brasileira: o auditório de 500 lugares da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com seus programas transmitidos para todo o país.

Rádio Nacional
Foi do auditório da Rádio Nacional que saíram, pela primeira vez, em 1946, para todo o Brasil, os versos de Humberto Teixeira para a composição de Luiz Gonzaga que ensinou o Brasil a dançar o baião e fez o ritmo virar uma febre musical que tomou conta do país. “Eu vou mostrar pra vocês como se dança um baião e quem quiser aprender é favor prestar atenção”, diz o refrão da música cantada por Gonzagão.

Também foi na Rádio Nacional que ele ganhou o apelido Lua, dado pelo violonista Dino Sete Cordas, devido à sua cara redonda. O apelido foi popularizado pelos radialistas César de Alencar e Paulo Gracindo em seus programas, que sempre contavam com a participação do sanfoneiro.


Gonzagão se apresenta com o seu conjunto; ao centro, Marinês, mãe do maestro Marcos Farias
e comadre do sanfoneiro

BIÓGRAFO DIZ QUE MÚSICO DESPERTOU CONSCIÊNCIAS
SÃO PAULO
– Lua, como também ficou conhecido o Rei do Baião Luiz Gonzaga do Nascimento, “é o pai musical de boa parte da discografia brasileira”. Ele percorreu o Brasil em cima de um caminhão e [mostrou] o Nordeste para o país e para boa parte do mundo.

Com essa definição, o pesquisador Assis Ângelo, jornalista, escritor e biógrafo de Luiz Gonzaga, sintetiza a importância do acervo deixado pelo artista, que passeou pelos vários gêneros e ritmos musicais entre os quais o baião, o xaxado, o xote, o fado e o samba, despertando a consciência de gerações para as questões sociais.

PEOCUPAÇÃO SOCIAL
Uma característica que marcou o comportamento de Luiz Gonzaga, segundo o jornalista, que por várias vezes entrevistou o músico, foi a preocupação dele com a condição socioeconômica da população mais carente.Ele ia a Brasília reivindicar melhorias na aérea da saúde, da infraestrutura, entre outras, e conseguiu levar progresso neste sentido a localidades do Nordeste. Nos shows , fazia questão de se apresentar para o público que não tinha dinheiro para comprar ingressos. “Canto para o meu povo”, dizia ele.

OBRAS
À frente de uma série de eventos , incluindo a preparação de um CD, entre tantos outros em andamento no país em homenagem ao centenário de Gonzaga, Assis Ângelo está lançando o livro “Lua Estrela Baião: A História de um Rei”, o terceiro de sua autoria sobre o Rei do Baião. Os anteriores Vou Contar pra Vocês, de 2006, está esgotado e o outro é o Dicionário Gonzagueando de A a Z.

A obra atual, ilustrada por Luciano Tasso, resgata a história de um dos mais ilustres personagens do Nordeste para um público infantojuvenil e mostra que não foi à toa que o menino de Exu, um pé de serra do sertão pernambucano, cravou para a eternidade esse cantinho do mapa brasileiro.

FEITOS
Há muito o que saber dos feitos dele não só no meio artístico ao longo de uma carreira construída junto com 61 parceiros, dentre os quais Humberto Teixeira e José Dantas foram os principais. Com este último, por exemplo, compôs Vozes da Seca, cujo trecho inicial diz: Seu dotô os nordestino têm muita gratidão/ pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão/ Mas dotô uma esmola a um homem qui é são/ Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.

Gravada em 1953, essa música parou o Congresso Nacional, diz Assis Ângelo, lembrando que essa música era “o grito do nordestino” com o qual o artista procurou reivindicar providências do então presidente Getúlio Vargas contra a situação difícil da população afetada pela seca que atingia boa parte do país, especialmente o Nordeste.
“A falta de emprego era terrível e não adiantava mandar roupinha, comida. O nordestino estava carente de tudo, inclusive, da atenção presidencial e o que se pedia era trabalho e não simples esmolas”, lembra o escritor.

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