Opinião

O glifosato nosso de cada dia

Agronegócio não esconde sua toxicidade ao defender o uso indiscriminado de defensivos como o glifosato, considerado cancerígeno pela OMS e largamente utilizado pelo setor

(*) Fernando Benedito Jr.

O documentário “Guerras Alheias”, de Carlos Moreno (HBO, 2016, 1h 11min, Colômbia) mostra um dos muitos aspectos da guerra às drogas no país: o uso do glifosato para erradicar as plantações de coca. A aplicação do defensivo, pulverizado por aviões, espalha também uma série de danos colaterais entre a população que vai desde doenças de pele, irritação dos olhos, a migração das populações-alvo dos bombardeios químicos (o glifosato pulverizado na coca atinge os cafezais, bananais e outros cultivos, eliminando as fontes de renda dos pequenos agricultores) e, com o passar do tempo, outras doenças incuráveis, como câncer.

A pulverização do glifosato por aviões faz parte da estratégia da guerra às drogas declarada pelos EUA aos países da América Latina produtores de coca e seus “derivados”, no caso particular, uma estratégia do Plano Colômbia, um pacto feito entre os presidente Bill Clinton e Ernesto Samper, que teve seu auge em 1994 com o objetivo de erradicar o cultivo ilícito da Erythroxylum coca.

Em 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o herbicida glifosato como potencialmente cancerígeno. O fato atingiu em cheio a marca da molécula produzida pela norte-americana Monsanto, pertencente à Bayer, e fez o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, suspender a fumigação aérea do herbicida, permitindo apenas aplicações diretas no solo, manuais ou mecânicas.

Em seu site, a Aprosoja reclama da falta de glifosato no mercado

No Brasil, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar e enviar ao Senado o chamado “PL dos Defensivos”, alcunha adotada pelos integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura, que libera o glifosato e todo o tipo de agrotóxico utilizado pelos produtores de soja, milho, cana, eucalipto e demais grandes monoculturas no País. A oposição, critica a aprovação do “PL do Veneno” e defende um alimento e um mundo mais saudável, alternativas orgânicas e propostas menos destrutivas para o homem e o planeta.

O agronegócio afirma que esta coisa de comida orgânica é papo para boi dormir porque o orgânico não é capaz de alimentar o mundo esfomeado, de sustentar os milhões de seres humanos que o habitam. É preciso produzir em larga escala e o que garante isso é o glifosato da Monsanto. Os grandes produtores, inclusive, estão defendendo que, no caso da soja, nem se pratique mais o vazio sanitário, intervalo de descanso do solo para evitar que pragas como o fungo asiático (de novo os chineses – principais compradores da soja, da carne e de grande parte da produção do agronegócio brasileiro), se propaguem.

O problema é que o agro, além de tóxico, é mentiroso. O que lhes interessa acima de tudo não é matar a fome do mundo, mas o lucro exorbitante, tanto que pouco se importam se a Etiópia está famélica, se o Congo está subnutrido. São incapazes de doar um quilo de arroz nem que seja para fazer marketing de conteúdo. Além do mais, ninguém sobrevive bebendo óleo de soja, principal derivado das grandes plantações brasileiras.

Quem de fato coloca comida na mesa do brasileiro são os pequenos e médios agricultores, pequenos e médios pecuaristas. Os grandes exportam. E também é mentira que gerem empregos. As grandes lavouras do agronegócio estão totalmente mecanizadas e a mão-de-obra humana – exceto, por enquanto, motoristas e tratoristas e operadores de colheitadeiras, etc –, realiza o subtrabalho, como capina e limpeza do terreno (em pequeníssina escala, porque este é o papel do glifosato – a soja transgênica resiste à aplicação do herbicida). A boiada é confinada e vê-se mais máquinas que vaqueiros. No final das contas, o que importa é quanto os fazendeiros da Faria Lima exportaram. Se o negócio da soja ou do gado vai mal, pulam para outro mais rentável. É provável que muitos nem saibam onde ficam suas enormes fazendas no Oeste Paulista, Paraná, Mato Grosso, Goiás, Rondônia…

Na Colômbia, o uso do glifosato mostrou-se mais pernicioso do que as drogas que ele pretendia combater. No Brasil, o veneno vai vencendo a guerra e segue sendo aplicado livremente naquilo que, em tese, nos alimenta, como se fosse um remédio.

Um “bom exemplo” são os grandes produtores reunidos em torno da Aprosoja, esperneando porque a Monsanto, ameaça não lhes pode fornecer o glifosato: está com problemas técnicos em uma de suas unidades produtoras…

(*) Fernando Benedito Jr. é jornalista e escritor.

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