Nacionais

No País da desigualdade, cidade se desindustrializa e o campo avança

(*) Fernando Benedito Jr.

Não se trata de demonizar o agronegócio nem a indústria. Olhando de cima, do ponto de vista de Deus ou dos deuses, ver-se-á que esse imenso mar de soja, milho, cana e pasto que cobre as terras do Oeste Paulista, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, rompendo Amazônia adentro tem seus méritos e deméritos, assim como tudo na vida. O agro e a indústria, igualmente geram emprego, desenvolvimento, destroem a natureza, causam poluição, não respeitem culturas, ambientes, nem histórias. Entram impiedosos com seus altos-fornos, rolos compressores e colheitadeiras e seguem adiante sem ouvir apelos, gemidos, lamentos. Recente artigo no “El País” afirma: “Vamos virar uma grande fazenda: Brasil vive acelerada desindustrialização”. É bem isso mesmo. E o contrário também: a fazenda vai virar uma grande indústria.

A afirmação do título do “El País” quer dizer que o atual governo privilegia o agro em detrimento da indústria, o que é real. Se fundamenta em dados, mostrando que “a pandemia acelerou ainda mais esse processo, enquanto o Governo federal privilegia o setor agrícola para exportação de alimento, minério e energia. De 2013 a 2019, o país perdeu 28.700 indústrias e 1,4 milhão de postos de trabalho no setor”. Os fatos também são incontestáveis: “O acirramento do processo de desindustrialização no país é um sintoma dessa mudança. Em setembro, a norte-americana Ford fechou a fábrica da Troller em Horizonte, região metropolitana de Fortaleza (CE), deixando 446 trabalhadores desempregados. Essa medida finalizou a saída da empresa do Brasil, anunciada no começo do ano. Com a transferência de sua produção para a Argentina, foram fechados também suas unidades em Camaçari (BA) e Taubaté (SP) com a demissão de 5.000 pessoas. E a Ford não foi a única. Nos últimos dois anos, as montadoras alemãs Mercedes Benz e Audi, as farmacêuticas Roche (Suíça) e Eli Lily (EUA) e a empresa de eletroeletrônicos japonesa Sony também anunciaram sua saída do Brasil”, destaca o “El País”.

Fábrica de produtos químicos Braskem. Maceió (AL) 22.11.2012 – Foto: José Paulo Lacerda

É bem verdade também, por outro lado, que o campo se industrializa, ou pelo menos se mecaniza. Nos infindáveis campos de monocultura do trinômio soja-milho-cana (com uma destas monoculturas vez ou outra substituida pelo gado, dependendo da vocação do latifúndio), também se vê grandes usinas, gigantescos silos, a presença constante de grandes empresas multinacionais de máquinários agrícolas, reposição de peças, agrotóxicos e tecnologia (John Deere, Monsanto, Raízen, etc), sem contar a vigorosa presença das caminhonetes 4×4, um verdadeiro estímulo para a indústria automobilística.

QUEDA EM NÚMEROS

Prova de que a desindustrialização segue seu rumo sob o atual governo, são os dados divulgados no último dia 9 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrando que cinco estados foram os responsáveis pela queda de 0,6% da produção da indústria nacional na passagem de setembro para outubro deste ano, entre eles São Paulo, maior parque industrial do país, com um recuo de 3,1%. Os outros locais foram Santa Catarina (-4,7%), Pará (-4,2%), Minas Gerais (-3,9%) e Espírito Santo (-1%). A queda nacional não foi maior porque nove dos 15 locais pesquisados tiveram alta na produção no período, com destaque para Nordeste (5,1%), Mato Grosso (4,8%) e Ceará (4,1%). Goiás manteve-se estável.

Na comparação com outubro de 2020, 13 dos 15 locais pesquisados tiveram recuo, sendo os maiores deles observados no Pará (-14,2%), Santa Catarina (-12,5%), São Paulo (-12,3%) e Amazonas (-11,9%). Rio de Janeiro e Espírito Santo foram os únicos estados com alta, respectivamente de 6,6% e 6,1%.

EM ALTA

No acumulado do ano, dez dos 15 locais analisados tiveram alta, com destaque para Santa Catarina (13,8%), Minas Gerais (12%) e Paraná (11,2%). Dos cinco locais em queda, Bahia apresentou a maior retração: -13,1%.

Altas em dez dos 15 locais também foram registradas no acumulado de 12 meses, também com destaque para Santa Catarina (13,9%), Minas Gerais (11,9%) e Paraná (12%). E a Bahia, mais uma vez, teve a maior queda (-10,8%), entre os cinco locais com perda na produção.

CIDADE E CAMPO

Enquanto nas cidades a situação vai de mal a pior, no campo a situação é menos grave. Pelo menos para o agronegócio, o que não significa que a realidade seja a mesma para os assentados, os sem-terra, os pequenos e médios produtores, essa brava gente que também coloca comida na mesa dos brasileiros. Algo parecido ocorre quando se diz que a grande indústria é importante geradora de empregos, mas omite-se que as pequenas e médias empresas, em escala, geram muito mais. Claro, quando sobrevivem à carga tributária e à burocracia.

De qualquer forma, em termos de grandes negócios, o agro vai de vento em popa e as comodities, mais do que colocar comida na mesa do brasileiro, também exportam muito, mas poucos se beneficiam com os saldos positivos da balança comercial.

SAFRA EM ALTA

Conforme dados divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), também no último dia 9, com o clima favorável na maioria das regiões produtoras de grãos no país, a safra nacional pode chegar a 291,1 milhões de toneladas na temporada 2021/22. Claro, não é só o clima que ajuda, o setor também foi um dos mais privilegiados com financiamentos no atual governo.

CHUVAS

Caso se confirme a previsão, o volume a ser colhido será superior em 38,3 milhões de toneladas, se comparado com o ciclo anterior, o que representa um incremento de 15,1%.

A Conab lembra que, em novembro deste ano, foi registrado grande volume de chuva, chegando a ultrapassar a média em diversas localidades, principalmente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e no Matopiba (região formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o que favorece o desenvolvimento das culturas de 1ª safra. No entanto, no Sul do país, a chuva registrada não foi suficiente para atingir a média em grande parte da região.

SOJA E MILHO

De acordo com a companhia, soja e milho seguem como os dois principais produtos que puxam o bom resultado. Para a oleaginosa é esperada uma ampliação de 3,7% na área a ser semeada, chegando a 40,3 milhões de hectares. A produtividade tende a se manter próxima à obtida na safra anterior, estimada atualmente em 3.539 kg/ha. Com isso, é esperada uma colheita de 142,8 milhões de toneladas, desempenho que mantém o país como o maior produtor mundial de soja.

No caso do milho, informa a Conab, a expectativa de crescimento é de 34,6% na produção total, com um volume previsto em 117,2 milhões de toneladas. O alto percentual reflete a recuperação nas produtividades, principalmente da segunda safra do cereal, que foi impactada negativamente no ciclo 2020/21 pelas adversidades climáticas registradas.

Segundo a Conab, há expectativa de crescimento também na área de plantio do algodão. A previsão é que o cultivo ocorra em uma área de 1,49 milhão de hectares, resultando em um aumento da produção. Apenas para a colheita da pluma da fibra é esperado um aumento de 10,7% em comparação à safra 2020/21, chegando a 2,6 milhões de toneladas.

FEIJÃO E TRIGO

Para o feijão, a Conab espera um aumento na produção impulsionada pela melhora na produtividade das lavouras. Mesmo com a expectativa de menor área semeada, somando-se as três safras, os produtores da leguminosa deverão colher 3,1 milhões de toneladas. Já para o arroz, a estimativa é de manutenção da área de cultivo com uma leve queda na produção de 2,5%, ficando em torno de 11,5 milhões de toneladas.

Em fase final de colheita, o trigo está com produção estimada em 7,8 milhões de toneladas, um novo recorde para o país.

ÁREA

O crescimento da produção acompanha a elevação da área plantada. Segundo a estatal, os agricultores brasileiros destinarão cerca de 72 milhões de hectares para o plantio dos grãos, incluindo culturas de 1ª, 2ª e 3ª safras, aumento de 4,3% sobre o período 2020/21.

MERCADO EXTERNO

Em relação ao mercado externo, os preços internacionais do algodão continuam em patamares elevados, influenciados pelo déficit produtivo da fibra no mundo. A expectativa de exportações se manteve estável neste levantamento, podendo chegar a 2 milhões de toneladas. A maior rentabilidade do produto sobre o milho pode influenciar na decisão de alguns produtores.

Segundo a Conab, o cereal, por sua vez, encontra cenário distinto entre mercado interno e externo. Enquanto que no panorama doméstico os preços tendem a entrar em estabilidade, após o registro de queda nas últimas semanas, as cotações internacionais estão em alta, sinalizando a preocupação com a condição climática adversa no sul da América do Sul, bem como a recuperação da demanda por etanol de milho, principalmente nos Estados Unidos.

As exportações na safra 2020/21 tiveram um novo ajuste, com os embarques previstos em 19,2 milhões de toneladas. Para o ciclo 2021/22 é esperada uma recuperação dos volumes exportados com vendas próximas a 36,68 milhões de toneladas.

A soja também apresenta preços próximos da estabilidade no mercado interno, mesmo com a elevação das exportações brasileiras. A estimativa é que sejam exportadas 85,8 toneladas do grão e que o consumo interno gire em torno de 48,4 toneladas.

Quanto ao arroz, diz a Conab, o produto apresenta desvalorização nos preços pagos aos produtores neste segundo semestre. Movimento atípico para o período de entressafra, mas, explicado pela maior oferta do produto uma vez que no primeiro semestre deste ano foi registrado um menor volume de comercialização do que anos anteriores. A perspectiva é que haja uma leve recuperação nos estoques de passagem no final da safra 2021/22, estimado em 2,4 milhões de toneladas.

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