Opinião

Mitigação de impactos ou reparação de danos?

O que esperar do novo acordo do crime de Mariana?

(*) Leonardo Patrick

O tema da repactuação do novo acordo de reparação do crime ambiental de Mariana tem ganhado maior visibilidade em função dos trabalhos da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, que busca garantir a inclusão das pautas e demandas dos atingidos nas tratativas do acordo. Passados mais de cinco anos do primeiro crime ambiental brasileiro classificado como violação de direitos humanos por parte do CNDH – Conselho Nacional de Direitos Humanos –, as populações atingidas ainda convivem com os danos causados pela prática extrativista depredatória, que consumou a interrupção da vida no Rio Doce. Além de contabilizar 19 mortes, a lama de rejeitos percorreu 39 cidades e atingiu mais de 600 mil pessoas.

Logo após o primeiro ano da tragédia, enfrentamos um surto de febre amarela na região, cuja origem pode estar relacionada à extinção das espécies e alteração do ecossistema nas imediações do Rio Doce – hipótese levantada pelo professor da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Massad, que também leciona na London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido. Desde que o crime ocorreu, não houve nenhuma ação reparatória verdadeiramente justa, pactuada a partir das realidades vivenciadas pelos atingidos. A situação de Governador Valadares retrata o descaso com que as empresas agiram com os atingidos. A cidade, que é o maior município na calha do Rio Doce em Minas Gerais e realiza 100% da captação de água a partir do próprio rio, vive constante risco à saúde da população ao oferecer para consumo uma água cuja procedência é, no mínimo, duvidosa.

De 2015 pra cá, em pelo menos três vezes parte de seus moradores tiveram as residências invadidas pela lama, sem que sequer houvesse alguma responsabilização dos culpados diante dos fenômenos de alagamentos, inundações e ressuspensão de rejeitos de minério. Para os povos originários (ribeirinhos e indígenas) que tradicionalmente habitam a calha do Rio Doce, e têm como principal fonte para subsistência a agricultura e a pesca, o impacto foi e tem sido ainda maior. Apesar da lama consumar o que é considerado o maior crime ambiental ocorrido no Brasil, os povos tradicionais já vêm convivendo com um ciclo depredatório do meio ambiente em que, a partir de uma ótica de desenvolvimento, o curso do rio foi alterado por intervenções hidroelétricas, bem como a poluição aumentou fruto da deposição in natura de resíduos industriais, agrotóxicos e esgotamento sanitário. Consideremos que esse modo de desenvolvimento extrativista vem nos caracterizando desde os primeiros momentos da colonização, com a exploração predatória das nossas riquezas naturais para exportação, agora intensificada com uma enorme demanda de matérias primas e energia cujos efeitos são desastres ambientais que se sucedem numa geografia desigual de proveitos para poucos e rejeitos para nós, para a maioria.

Para nossa população, a lama é mais uma variável, claro, a pior delas, fruto do modo desenvolvimentista de base depredatória. A bem da verdade, os fatos precisam receber o nome daquilo que verdadeiramente são e representam. Sendo assim, o novo acordo é a maior e melhor oportunidade para nossa região refletir sobre o que nos disseram que era desenvolvimento e na realidade fracassou. Da mesma forma, a reincidência de crimes ambientais por este modo de desenvolvimento não permite conciliar a manutenção de suas práticas com a reparação dos danos ambientais.

Nesse cenário de interesses aparentemente alheios a uma reparação de danos que recupere nossa região e rompa com a prática extrativista, a Comissão Externa da Câmara dos Deputados, aqui representada pelo deputado federal Leonardo Monteiro, tem como centralidade garantir a participação protagônica dos atingidos nas tratativas construídas para celebração do acordo que, até então, vem sendo discutido apenas entre a Vale/Samarco/BHP Billiton e o Ministério Público Federal. Por si só, garantir a presença dos atingidos na construção do acordo, já significa um considerável avanço diante das inúmeras tentativas de invisibilização dos danos causados pelo crime. Enfim, não se trata de um Acordo para os Atingidos, mas sim com os que sentiram os piores efeitos de práticas econômicas (e políticas) feitas à sua revelia. Não deixemos que a conceituação de atingidos se perpetue com essa condição passiva, haja vista que antes de serem atingidos são cidadãos e, como tais, devem ser tratados e respeitados em suas prerrogativas de participação ativa.

Neste sentido, em se tratando da dimensão financeira que se dará o acordo, é necessário ensejar a efetiva presença da sociedade civil nos espaços de controle externo, como instrumento para garantir a transparência na execução dos planos de reparação e a destinação dos recursos aos atingidos. Do ponto de vista da política pública, caberá às instituições que, de alguma forma, se beneficiarão com o acordo construir em parceria com a população atingida um plano territorial de desenvolvimento integrado em que sejam estabelecidos compromissos de uma atuação articulada a partir de diretrizes, metas e responsabilidades. Somente assim faremos com que os R$ 155 bilhões, – valor destinado pela Vale/Samarco/BHP Billiton, sejam utilizados na reparação dos danos sociais, ambientais e econômicos causados à população atingida, impedindo a incidência de novos crimes. E, quem sabe, mais do que perguntarmos o que esperar do Acordo de Mariana, a melhor resposta deva ser justamente não esperar, mas sim garantir aos diretamente atingidos o protagonismo na definição das prioridades e na gestão.

(*) Leonardo Patrick é analista de Políticas Públicas e bolsista de pesquisa do Projeto de Educação Ambiental Pescarte, IPEAD-FACE-UFMG, com financiamento da Petrobras. Também é membro do Grupo Estudos e Pesquisas Urbanas e Regionais – GEPUR com atuação em temas sobre Desigualdades, Territorialidades, dinâmicas culturais e poder, da Universidade Estadual do Norte Fluminense.

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