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“Minha dor não é nada perto das famílias de 270 mil vítimas”, diz Lula

Em coletiva em São Bernardo, Lula presta solidariedade aos familiares dos mortos por Covid-19 e afirma que “Bolsonaro não sabe o que é ser presidente”

SÃO PAULO – Após a histórica decisão do STF que recuperou os direitos políticos e demonstrou a inocência de Lula depois da perseguição de Sergio Moro e da Lava Jato, o ex-presidente concedeu entrevista coletiva, nesta quarta-feira (10), em São Bernardo do Campo. Lula abriu seu discurso prestando solidariedade às famílias das vítimas de Covid-19 e disse que a dor da injustiça causada pela Lava Jato não se compara ao luto dos brasileiros.

“Sei o que minha família passou. Que a Marisa morreu. Poderia estar magoado. Mas não estou. A dor que sinto não é nada diante da dor que sofrem hoje milhões de brasileiros”, afirmou Lula. “A dor que eu sinto não é nada perto do que sentem os familiares das quase 270 mil vítimas do coronavírus”, disse o ex-presidente.

O ex-presidente Lula durante a entrevista coletiva desta quarta-feira

LINHA DE FRENTE

Lula também parabenizou e agradeceu o trabalho dos profissionais na linha de frente do Sistema Único de Saúde (SUS), sem os quais a tragédia seria muito maior. “Se não fosse o SUS, teríamos perdido muito mais gente do que perdemos, apesar do governo tirar tanto dinheiro do SUS”, observou.

NEGACIONISMO

Lula condenou a política negacionista de Bolsonaro, que se negou a oferecer vacinas ao povo brasileiro. Para ele, não se deve discutir dinheiro para vacinas, que são uma questão de amor à vida e não do culto às armas. “Vou tomar minha vacina, não importa de que país, se é duas ou uma”, afirmou o ex-presidente, que garantiu que vai fazer propaganda para a vacina.

“Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente ou do ministro da Saúde. Tome vacina”, pediu Lula. Ele lamentou ainda o fracasso das imunizações. “Vacinamos 80 milhões de pessoas em três meses. Cadê o querido Zé Gotinha? Bolsonaro mandou embora porque pensou que era petista. Mas Zé Gotinha era suprapartidário, era humanista”.

MORTES NATURALIZADAS

Lula lamentou a explosão de mortes por Covid-19 no Brasil e condenou o que considera uma naturalização da tragédia. “Noite passada, esse vírus matou quase 2 mil pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas, mortes que poderiam ser evitadas se tivéssemos um governo para fazer o elementar”, denunciou Lula.

Lula ressaltou que, diante da gravidade da crise, é dever do governo federal criar um gabinete de crise, reunindo ministérios, governadores, comunidade científica para “toda a semana, orientar a sociedade sobre o que fazer” e “priorizar dinheiro para comprar vacinas de qualquer lugar”. Segundo Lula, “Bolsonaro não sabe o que é ser um presidente”.

Lula durante depoimento do TRF-4 em Curitiba

“A VERDADE VENCEU”

“A verdade venceu. A verdade vai continuar vencendo”, disse Lula, três anos e 11 meses depois de ser injustamente preso e dois dias após as condenações e processos contra ele serem anulados. “Por isso, quero dizer a vocês que quero dedicar o resto de vida que me sobra, e espero que seja muito, a andar por este país e a conversar com este povo”, completou, convidando todos os brasileiros a lutar por um país mais justo e soberano, após solidarizar-se com as famílias das quase 270 mil vítimas da Covid-19.

“Alguma atitude nós vamos ter de tomar, companheiros, para que este país possa voltar a crescer. Para que esse povo volte a sonhar. Esse país já sonhou, esse país já realizou”, afirmou o ex-presidente, que tirou o país do mapa da fome e ajudou a tornar a economia brasileira a sexta maior do mundo (hoje, à 12ª).

SOBERANIA

Em fala transmitida ao vivo pela internet, rádio e tevê, Lula disse que “o Brasil não nasceu para ser pequeno”. “A gente não quer só o agronegócio. O agronegócio é importante, mas a gente quer ser um país industrializado. O país quer ter novas indústrias, novas tecnologias. E a gente sonhava isso. O Brasil tinha um projeto de nação, um projeto de cidadania, de soberania.”

“Faz 500 anos que fomos descobertos. Quando é que vamos tomar conta do nosso nariz? Quando é que eu vou acordar de manhã sem ter que pedir licença para respirar para o governo americano? Quando é que eu vou levantar de manhã sabendo que meu povo está tomando café, que vai almoçar e vai jantar? Que as crianças estão na escola, que as crianças estão tendo acesso à saúde, à cultura? Quando é que vamos acordar? Isso é possível. Nós provamos isso”, lembrou.

DIÁLOGO E CONSTRUÇÃO: “DESISTIR JAMAIS”

“É pela construção desse sonho, para ajudá-lo a se tornar realidade, que eu me sinto muito jovem. E me sinto jovem para brigar muito. Então, eu queria que vocês soubessem: desistir, jamais. A palavra desistir não existe no meu dicionário. Eu aprendi com minha mãe: lute sempre, acredite sempre, teime sempre. Porque se a gente não acreditar na gente, ninguém vai acreditar”, prosseguiu.

Lula propõe o diálogo para que o país encontre seu caminho e supere o grave momento de crise causado pelo governo de Jair Bolsonaro. “Eu quero conversar com a classe política. O povo elegeu quem ele quis eleger e temos que conversar com quem está lá para a gente ver se conserta este país. Eu preciso conversar com os empresários. Eu quero saber onde está a loucura deles de não perceberem que, se eles querem crescer economicamente, se eles querem que a Bolsa cresça, se eles querem que a economia cresça, é preciso garantir que o povo tenha emprego, que o povo tenha renda, que o povo possa viver com dignidade. Se não, não há crescimento. Ou será que vamos ficar refém do deus mercado, que só quer ganhar dinheiro não importa como? Quando é que vamos pensar nos debaixo primeiro?”, indagou.

“PARA QUE EXISTE GOVERNO?”

“Não tenham medo de mim”, disse Lula. “Eu sou radical. Eu sou radical porque eu quero ir à raiz dos problemas deste país. Eu sou radical porque eu quero ajudar a construir um mundo justo, um mundo mais humano, um mundo em que trabalhar e pedir aumento de salário não seja crime. Um mundo onde a mulher não seja tripudiada por ser mulher, um mundo em que as pessoas não sejam tripudiadas por aquilo que querem ser. Um mundo onde a gente venha a abolir, definitivamente, o maldito preconceito racial. Um mundo que não tenha mais bala perdida. Um mundo em que o jovem possa transitar livremente pelas ruas de qualquer lugar sem a preocupação de tomar um tiro. Um mundo em que as pessoas sejam felizes onde quiserem ser. Que as pessoas sejam o que eles decidirem. Um mundo em que a gente tenha de respeitar a religiosidade de cada um. Cada um é o que quer. As pessoas podem ser LGBT e a gente tem que respeitar o que as pessoas fazem”, discursou.

UM MUNDO POSSÍVEL

“Esse mundo é possível. Esse mundo é plenamente possível”, garantiu, antes de convidar a todos à construção de um país melhor, que começa pela superação da pandemia: “É por isso que eu convido a vocês para a gente lutar neste país para garantir que todo, todo, todo brasileiro, independentemente da idade, tome vacina. E, para isso, a gente tem que obrigar o governo a tomar vacina. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem que brigar pelo salário emergencial, e ao mesmo tempo temos de brigar por investimento em geração de emprego, sobretudo a partir de infraestrutura. Temos que brigar por uma política de ajuda aos microempreendedores e ao pequeno empresário brasileiro. Quantos restaurantes estão fechando? Quantas farmácias estão fechando? Quantas lavanderias, quantos institutos de beleza estão fechando? Para que existe governo? É para tentar encontrar solução para essa gente”.

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