Cidades

Mendes derruba veto a debate sobre sexo e gênero em escolas de Ipatinga

IPATINGA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, deferiu o pedido cautelar para suspender a eficácia dos artigos 2º, caput, e 3º, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga, que impedem até mesmo a mínima referência e o debate sobre a questão de gênero nas escolas da rede pública. Os artigos foram introduzidos na Lei durante a votação do Plano Municipal de Educação por vereadores ligados ao movimento Escola sem Partido e a movimentos religiosos. A decisão de Mendes atendeu a pedido da Procuradoria Geral da República, tendo como “amicus curiae” o Grupo Dignidade -“Pela cidadania de gays, lésbicas e transgêneros” e a Aliança Nacional LGBTI, que recorreram ao Supremo com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

TABU

A lei aprovada em Ipatinga estabelece um verdadeiro tabu nas escolas da rede municipal, proibindo todo e qualquer debate sobre sexo e gênero nos educandários. O fundamentalismo religioso que norteou a decisão na Câmara Municipal não só estabelece a censura sobre os temas, como cria certo temor em relação à sua abordagem, quase criminalizando-a: “[as escolas não podem] adotar, nem mesmo sob a forma de diretrizes, nenhuma estratégia ou ações educativas de promoção à diversidade de gênero, bem como não poderá implementar ou desenvolver nenhum ensino ou abordagem referente à ideologia de gênero e orientação sexual, sendo vedada a inserção de qualquer temática da diversidade de gênero nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas.”

PLURALISMO

Amparado por diversas leis nacionais e internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Princípios da Yogyakarta e a Constituição Federal, o ministro Gilmar Mendes avalia que “as normas impugnadas, ao proibirem qualquer referência à diversidade de gênero ou a ações educativas que mencionem questões envolvendo a orientação sexual nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas em Ipatinga/MG, acabam cristalizando uma cosmovisão tradicional de gênero e sexualidade que ignoram o pluralismo da sociedade moderna. Não há como se negar que vivemos em uma sociedade pluralista, onde diferentes grupos das mais variadas origens étnicas e culturais, de diferentes backgrounds, classes e visões, religiosas ou de mundo, devem conviver”, discorre o ministro.

Gilmar Mendes recorre ainda ao pluralismo previsto na Constituição Federal para proferir sua decisão, afirmando: “o Constituinte originário estabeleceu, como princípio fundamental da República, o “pluralismo político” (art. 1º, V, da CF/88). Da mesma forma, elencou, dentre os objetivos fundamentais, a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, da CF/88), com a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3°, IV, da CF/88). O Ministro Ayres Britto reconheceu, no julgamento da ADI 4.277/DF, que tratava das uniões homoafetivas, a condição do pluralismo como valor sócio-político-cultural”, pontificou.

LIBERDADE E TOLERÂNCIA

Ao decidir pela cautelar, o ministro Gilmar Mendes recorre alei de Diretrizes e Bases da Educação e à Constituição Federal, que assegura a liberdade de ensino e a tolerância: “De fato, enquanto a legislação federal estabelece a observância obrigatória dos princípios da liberdade de ensino, do pluralismo de ideais e concepções pedagógicas e do fomento à liberdade e à tolerância, os arts. 2º e 3º da Lei Municipal proíbem expressamente qualquer menção, no sistema de ensino, a questões de diversidade ou ‘ideologia’ de gênero, vedando a ‘inserção de qualquer temática da diversidade […] nas práticas pedagógicas e no cotidiano das escolas’. Há precedentes específicos do STF suspendendo a eficácia de leis com conteúdos e vícios formais similares”, diz Mendes, apoiando-se em julgados com mesmo teor dos ministros do STF Roberto Barroso e Dias Toffoli.

Segundo ele, além do vício formal, “observa-se que a legislação impugnada também ofende normas materiais da Constituição, concretizadas a partir do art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação:  “É certo que o pluralismo social e os princípios da solidariedade e da não-discriminação estão diretamente vinculados a outros princípios e valores, como a liberdade de informação e de ensino, a tolerância e o debate de ideias. Nesse sentido, observo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação observou, corretamente, esses valores constitucionais, ao indicar, expressamente, a liberdade de ensino e aprendizagem, o pluralismo e a tolerância enquanto princípios fundamentais do ensino no país (art. 3º, II, III e IV, da LDB).

“Por outro lado, a legislação impugnada contraria essas normas de status constitucional, de modo que reputo plausível, nessa análise perfunctória, a alegação de inconstitucionalidade material”.

FALSA NEUTRALIDADE

Com base nos argumentos do livro “Existe Ideologia de Gênero?”, da doutora Jimena Furlani, o ministro Gilmar Mendes sustenta a tese de que ao tentar impedir o debate sobre sexo e gênero, o Escola sem Partido, longe de ter uma neutralidade sobre o tema, na verdade assume uma posição ideológica que reforça preconceitos e a discriminação: “Cumpre registrar que a ausência de debate sobre questões envolvendo sexo e gênero não equivale à suposta ‘neutralidade’ sobre o assunto. Na verdade, reflete uma posição política e ideológica bem delimitada, que opta por reforçar os preconceitos e a discriminação existentes na sociedade.

Ademais, não há estudos científicos ou dados estatísticos que sustentem a posição que a discussão sobre essas questões estimule ou promova a adoção de comportamentos denominados ‘erráticos’ ou ‘desviantes’, de acordo com uma pauta de valores tradicionais”.

Você também pode gostar

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com