Cidades

Mães que passam a mão na cabeça do filho

(*) Vilma Lígia

A sala da coordenação das escolas é o espaço para se discutir o desempenho do aluno e também o do professor. Presenciei dias desses uma conversa entre coordenadoras e uma professora – e outras que aproveitavam o assunto. Professores via de regra falam de alunos que são “problema”. Nunca presenciei uma discussão sobre o conteúdo das disciplinas, por que será? A conversa – que eu presenciava sem, no entanto, participar ativamente dela girava em torno de um aluno que não se interessava pelas aulas e causava problema à determinada professora. Aí uma coordenadora lançou a ideia: “a mãe passa a mão na cabeça dele” e a ideia ficou pipocando entre elas e chegou aos meus ouvidos. Aquilo me dizia respeito, pensei comigo. De fato, contra as adversidades estarei sempre ao lado dos meus filhos e assim é há 20 anos desde que minha filha começou na pré-escola. Hoje ela cursa Engenharia Química lá na UFSCAR em São Carlos, SP. Já os outros dois estão no ensino médio e são oriundos dessa escola em questão.
Acredito na escola pública porque ela é pública, mas há pessoas que trabalham nesses estabelecimentos e pensam o mundo a partir da escola particular. Inclusive seus filhos estão numa dessas escolas privadas – porque correr o risco, não é? Se se acredita no próprio trabalho por que não experimentar dele? Eu trabalho numa escola pública e coloquei meus filhos nela por convicção. Convicta eu estava de que meus colegas seriam tão bons profissionais que estenderiam este profissionalismo às relações em sala de aula. Mas não vejo isto. A escola pública não visa à formação do cidadão crítico como se apregoa na formação dos professores no curso de Pedagogia. O cidadão crítico não ficaria calado quando sofresse algum tipo de insulto – que insistem em chamar Bulling como se isso diminuísse o estrago causado na alma da criança ou adolescente – ou não mudaria frequentemente de escola quando os pais, achando que a culpa fosse do filho transferissem-no a cada “problema” causado. Essas mães que passam a mão na cabeça dos filhos não sabem como lidar com esta escola que diz que o filho falta muito e quando vem só atrapalha. Por que será? O estudante da escola pública parece que está sempre ocupando um espaço que não é dele e o descaso com os problemas apresentados na convivência com outros estudantes é o causador maior das evasões, da “violência” em sala de aula seja entre professores e alunos, seja entre alunos e alunos. Vou usar o termo estudante porque ALUNO vem do latim e quer dizer SEM ALMA, ou seja, reforça a antiga visão que aquele que busca aprender é um ser sem alma, sem histórias, sem conhecimentos prévios. Mas esta educação precisa modernizar assim como os termos utilizados para designá-la. Há uma historinha contada entre educadores que fala de uma pessoa que viajando no tempo encontrou muitas novidades neste século XXI, mas percebeu que a escola era do jeitinho que era há mais de duzentos anos… Embora a vida escolar brasileira tenha pouco mais de um século, o método, o ensino ainda é o mesmo e a tendência, nos dias atuais, é piorar pois as mudanças ocorrem a partir dos gabinetes ministeriais que não pisam o chão do estado, do município, do bairro, das vilas. A educação para o século XXI precisa estar pari-passo com a realidade circundante: quem são os estudantes, de onde eles vêm? Muita propaganda nos meios de informação não retratam a verdade das salas de aula. A qualidade da educação não é um projeto pronto e acabado que vai de repente surgir nas escolas. Ela é fruto de uma construção, de um pensar em conjunto. Antes de tudo perguntar: Por que escola? Por que estudar? Por que ensinar? O que ensinar? Se cada uma dessas perguntas não objetivar a construção de indivíduos e individualidades, não precisa nem começar. Se cada pergunta destas não objetivar transformar a realidade de pessoas e que a escola seja parte dessa construção, é melhor esquecer tudo e partir para outra atividade. Construir indivíduos e individualidades não é favorecer a meritocracia como se faz hoje premiando aqueles que conseguem se destacar. É necessário que todos sejam capazes, que aprendam solidariamente. A competição incentivada na escola propicia muitas vezes o isolamento, a solidão para quem se destaca e para quem não consegue tal feito. Indivíduos sim, individualismo não. Indivíduos são pessoas com particularidades, mas que conseguem partilhar. A escola ajudaria muito se partisse deste princípio.
A humanidade evoluiu, o mundo mudou. Estudantes com celulares nas mãos são ainda indivíduos que precisam aprender o que é a vida. São meninos e meninas curiosos, gentis, emburrados, falastrões, engraçados, tímidos e são também seres humanos com direitos e deveres. Seus responsáveis cumprem o papel que lhes cabe de matriculá-los nas escolas e querem também ajudar. Nem sempre podem ajudar na tarefa escolar porque vieram de situações que não lhes permitiram o conhecimento adequado, mas podem ajudar a construir um ambiente mais humano, têm conhecimentos de vida que podem compartilhar. A escola fechada para a participação da comunidade faz dela inimiga e seus alunos sentem esta falta e se revoltam. Não basta abrir os portões nos fins de semana, é preciso abrir para dialogar e que não seja esse diálogo aquele em dias de eleição para diretores, para pedir votos. Mas dialogar para pedir sugestões e apreciá-las. Envolver a comunidade onde a escola esteja inserida.
Professores entram em greve. Pais e os responsáveis pelos estudantes não dão a mínima importância ao protesto. Tratam com indiferença. Que relação tem a greve com eles? Aparentemente nenhuma. A animosidade entre professores e os responsáveis pelos estudantes desestrutura a tal ponto que não se percebem sob o jugo de uma mesma exploração. Não há solidariedade.
A escola atual está tão envelhecida nos seus métodos que não consegue se enxergar como mantenedora da situação de descaso do poder público. Não questionam mais a superlotação das salas de aulas. Não percebem que seus métodos ultrapassados desvinculam o estudante de seus problemas pessoais e dos problemas que porventura, ocorram com o professor. Os professores ganham mal? Mas a profissão sempre foi vista como um “dom” e se é um dom não precisa de salários. Professores vivem de brisa, não é? Se não é, então a relação com os estudantes e com seus familiares deve mudar. Professores precisam conhecer a realidade dos estudantes e estes, a dos professores. Uma relação mais humana deve começar para que todos ganhem em qualidade.
A realidade dos bairros em Ipatinga cria uma situação que só quem trabalha nas secretarias conhece: o falso endereço para conseguir vaga numa escola “melhor”. Escola melhor é aquela localizada num dos bairros construídos para o profissional da Usiminas. O local determina a relação estudante-professor e desta relação o futuro desse estudante. Já os bairros mais populosos e de difícil acesso aos bens e serviços (ônibus, trabalho, saúde, diversão, etc.) têm um peso muito grande na expectativa de vida dos estudantes que driblam a situação para entrar e permanecerem na escola. “Não vão dar nada mesmo. Saindo daqui vão pro caminho da droga”, esta é a perspectiva dos educadores para os estudantes da perifa. Entrar, a lei determina que todos devem ter este direito; permanecer já é um problema que cada estudante tem que encarar sozinho. Sendo negro então aí é que tem que se virar como pode porque não há amparo. Os apelidos, as insinuações à sexualidade, o tipo de cabelo, a forma de ser, enfim, cada indivíduo parece ter que pagar um tributo por não ser o padrão. E quando busca no professor um amparo ouve: “mas você é isto que falam? Então não ligue” ou, “Vai sentar no seu lugar” ou ainda: “mas você parece que gosta de ser chamado disso…”. E vamos copiar a lição. Ora, o pau quebrando e a professorao professor querendo apenas terminar a lição e passar à próxima sem perceber que aquelas lições não estão mais entrando na cabeça de ninguém e não é por falta de inteligência porque neste tempo de hoje todos são inteligentes, só precisam saber como usá-la. A lição mais importante é como conviver.
O desenvolvimento do país só será possível se desenvolvermos nossa aptidão humana. Se pudermos perceber o outro e suas dores, suas necessidades. Sem malabarismos e fórmulas prontas. Educar o ser. Num futuro próximo poderemos até nos solidarizar com os professores e seus baixos salários, seus horários estafantes e salas superlotadas. Talvez, quem sabe, parar de achar a greve um empecilho ao aprendizado porque o estudante fica parado, sem ter o que fazer e passar a entender que todos merecem um bom salário. E que a educação é um direito e como tal precisa de bons profissionais e que se juntando a eles todos terão como prêmio a melhoria salarial e educacional. E, principalmente, o respeito que é fundamental.
Mães que passam a mão na cabeça dos filhos pensam assim.

(*) Vilma Lígia Pereira é agente de Administração.
Vilma.ligia@hotmail.com

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