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Lava Jato zomba de tragédias de Lula e revela ódio ao ex-presidente

Novo vazamento publicado pelo The Intercept e UOL mostra ironias, desumanidade e falta de respeito de procuradores da força-tarefa nas mortes de mulher, irmão e neto de Lula

(DO UOL) – Os integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ironizaram a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o luto do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme revelam mensagens de chats privados no aplicativo Telegram enviados por fonte anônima ao site The Intercept Brasil analisadas em parceria com o UOL.

Os diálogos também mostram que procuradores divergiram sobre o pedido de Lula para ir ao enterro do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, em janeiro passado – quando o ex-presidente já se encontrava preso – e que temiam manifestações políticas em favor de Lula. Na ocasião, alguns membros da Lava Jato disseram acreditar que a militância simpatizante de Lula pudesse impedir a volta dele à superintendência da PF (Polícia Federal), em Curitiba.

A despedida de Lula do neto Arthur Araújo Lula da Silva, que morreu aos 7 anos em março, também foi assunto entre procuradores da Lava Jato e alvo de crítica em chat composto por integrantes do MPF.

VIDA PRIVADA

Em 4 de fevereiro de 2017, após nota da colunista do jornal Folha de S.Paulo Mônica Bergamo sobre a agonia vivida por Marisa em seus últimos dias de vida ter sido compartilhada no grupo, a procuradora Laura Tessler refuta a possibilidade de o agravamento do quadro da ex-primeira-dama ter acontecido após busca e apreensão na casa dela e dos filhos e condução coercitiva de Lula, determinada pelo então juiz Sergio Moro no ano anterior.

“Ridículo… Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão… ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula”, afirma Laura. Em abril passado, em entrevista ao jornal El País e à Folha de S.Paulo, Lula disse que “Marisa morreu por conta do que fizeram com ela e com os filhos dela. Dona Marisa perdeu motivação de vida, não saía mais de casa, não queria mais conversar nada”. O ex-presidente respondia à pergunta sobre a possibilidade de a saúde da mulher ter sido afetada pelas investigações.

CONSPIRAÇÃO

Na mesma conversa, o procurador Januário Paludo, que também integra a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, coloca sob suspeita as circunstâncias da morte de Marisa Letícia. “A propósito, sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem. E a segunda morte em sequência”, diz ele, sem especificar à qual outra morte se referia. A suspeição em relação às circunstâncias da morte da ex-primeira-dama já havia sido exposta por Paludo em 24 de janeiro, quando Marisa Letícia fora internada. Na ocasião, o chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirma que Marisa havia chegado debilitada ao hospital.

“Um amigo de um amigo de uma prima disse que Marisa chegou ao atendimento sem resposta, como vegetal”, afirma Deltan. Paludo reage à frase dizendo: “Estão eliminando as testemunhas”. Em 4 de fevereiro, o corpo de Marisa Letícia foi velado em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. A fala de Lula na despedida da mulher é compartilhada pela procuradora Laura Tessler no chat. Na ocasião, Lula afirmou: “Eles que têm que provar que as mentiras que estão contando são verdade. Então, Marisa, descanse em paz porque esse Lulinha paz e amor vai continuar brigando muito”.

Deltan define a manifestação de Lula como “uma bobagem”. “Bobagem total… nguém mais dá ouvidos a esse cara”, diz. O tema volta ao grupo no dia seguinte, quando o procurador Antônio Carlos Welter diz que “a morte da Marisa fez uma martir

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petista e ainda liberou ele pra gandaia sem culpa ou consequência política”.

A morte de Marisa também foi comentada por outros integrantes do MPF em chats no Telegram. Ainda em 4 de fevereiro, a procuradora da República Thaméa Danelon, da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, critica a participação da procuradora Eugênia Augusta Gonzaga no velório da ex-primeira-dama, o que, para ela, equivaleria a ir ao enterro da “esposa do líder de uma facção do PCC”.

“O safado só queria passear”, diz procurador sobre pedido de Lula para ir a enterro de irmão

FILHOS DE JANUÁRIO

A maneira com que Lula externou a perda de parentes e eventuais manifestações públicas de apoio ao ex-presidente nesses momentos foram debatidas por procuradores em ao menos outros dois episódios em 2019: em 29 de janeiro, ocasião em que o irmão Vavá morreu em decorrência de um câncer, e, a partir de 1º março, quando foi confirmada a morte do neto Arthur.

Em 29 de janeiro, o procurador Athayde Ribeiro Costa compartilha no grupo Filhos do Januário 3 a notícia de que Vavá havia morrido. A resposta de Deltan à informação já indicava o debate que se iniciaria no chat. “Ele vai pedir para ir ao enterro. Se for, será um tumulto imenso”, diz. As consequências de uma eventual saída de Lula da superintendência da PF em Curitiba e a legalidade da liberação provisória dividem opiniões no chat. Parte dos procuradores defende o direito de Lula ir ao enterro de Vavá, enquanto outros sustentam que o ex-presidente não é um “preso comum” e se posicionam contra a ida de Lula ao sepultamento do irmão.

REPERCUSÃO INTERNACIONAL

Athayde Ribeiro Costa faz uma ressalva em relação à possível repercussão internacional negativa que a proibição traria. “Mas se nao for, vai ser uma gritaria. e um prato cheio para o caso da ONU [Organização das Nações Unidas]”, diz em referência à manifestação que a defesa de Lula apresentaria dias depois ao Comitê de Direitos Humanos do órgão.

No texto, os advogados de Lula diziam que a prisão se devia a uma “perseguição política” e citavam que o tratamento dado a ele era “carregado de cruel mesquinhez”. Meses antes, durante a corrida eleitoral, a ONU já havia recomendado ao Estado brasileiro “garantir ao ex-presidente o exercício de todos os direitos políticos mesmo que na prisão”. O procurador Orlando Martello diz achar “uma temeridade ele sair. Não é um preso comum. Vai acontecer o q aconteceu na prisão” e conclui: “A militância vai abraçá-lo e não o deixaram voltar. Se houver insistência em trazê-lo de volta , vai dar ruim!!”.

DIREITO

O procurador Diogo Castor pondera que “todos presos em regime fechado tem este direito”, e Orlando Martello retoma o argumento do risco à segurança: “3, 4, 10 agentes não o trarão de volta. Aí q mora o perigo caso insistam em fazer cumprir a lei”. Em abril de 2018, Lula se entregou à PF após ficar dois dias na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Manifestantes tentaram impedir que o ex-presidente fosse levado à prisão e dificultaram o trabalho dos policiais federais.

Depois desta troca de mensagens, Januário Paludo encaminha aos colegas uma manifestação que seria entregue à juíza responsável por avaliar o pedido de liberação. Trata-se de um parecer da força-tarefa da Lava Jato pelo indeferimento da saída solicitada pela defesa de Lula. Ao ler o texto, Athayde Ribeiro Costa pondera: “Simplesmente indefirir estamos agindo como pilatos e deixando a juiza em situaca difícil”. Minutos depois, os procuradores têm acesso a parecer da Polícia Federal que disse não ter condições de atender ao pedido de Lula. O relatório levou em consideração três situações de risco: “Fuga ou resgate do ex-presidente Lula, atentado contra a vida do ex-presidente e com comprometimento da ordem pública”. A PF também considerou que as aeronaves que poderiam estar disponíveis para levar o petista ao enterro, naquele momento, estavam realocadas para dar apoio às autoridades em Brumadinho (MG), onde o rompimento de uma barragem, dias antes, deixou aos menos 248 mortos.

COM PENA

Anteriormente, a Justiça Federal, na primeira e na segunda instâncias, já havia se posicionado contra a solicitação dos advogados do ex-presidente. Minutos depois da manifestação da PF, a Procuradoria da República do Paraná também se posicionou contra o pedido de Lula.

No chat, Antônio Carlos Welter concorda com a PF, mas diz acreditar que Lula tinha o direito de ir ao enterro do irmão. “Eu acho que ele tem direito a ir. Mas não tem como”. Januário Paludo responde: “O safado só queria passear e o Welter com pena”.

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