Cultura

Kênia Nicácio entra na toca do coelho

Em artigo, o poeta Chico Castro comenta “Ventos que ainda sopram em abril”, da escritora ipatinguense Kenia Nicácio

Chico Castro

Sentimento e confissão. Particularmente, admiro a poesia “contextual e despretensiosa”, talvez por me sentir inclinado a tal desiderato. É certo que existe a chamada poesia mais “elevada”, no sentido de tratar sobre as grandes questões que afligem a Humanidade, como se consagraram por excelência a tragédia e a comédia gregas. Poderia declinar dezenas de poetas que se dedicaram a esse mister. Mas continuo batendo na mesma tecla há anos: tiro também o chapéu a quem se dedica a escrever, seja em prosa, seja em poesia, sobre o que acontece no microcósmico da vida. Neste caso, Kênia Nicácio se encaixa nessa poesia simples e “elevada”, do cotidiano, natural e expressiva.

Amor e paixão.

Registo e Memória.

São combinações explosivas que circulam como mariposas nesse universo secular e  religioso na poesia escrita por mulheres, desde que o mundo se entende como mundo. Leio muito mais a poesia feita por mulheres do que a que que é feita por homens. Se bem que existem poetas que escrevem como mulheres, bem como existem poetas que escrevem como homens. Ou as duas coisas ao mesmo tempo. Não é o caso para uma simples e oca discussão semântica.

Bobagem.

A mulher sabe  “farejar”  e entender o sentimento amoroso, principalmente se ele vive entre os “destroços de uma paixão”. Rumina. Recolhe. Nunca deseja colher o fruto sem plantar primeiro a árvore do desejo. O homem “atira” depois pensa. A mulher coloca algodões entre os cristais. Mas também “atira” quando o vaso do sagrado é jogado aos pés das incertezas e da traição. A poesia de Kênia Nicácio mexe com essas fendas do que acabou, mas não ficou totalmente decidido ou finalizado, daí, a poesia que brilha nas trevas dessa dolorida e amável recordação.

Poesia cheia de mineirices.  Que já desceu ao Hades à cata do amor que se foi, a fim de trazê-lo de volta ao berço da “exaltação do belo”, um belo sem  comércio, sem tráfico, um belo sem vendas nos olhos. Sem colírio. Sem o quinto dos infernos. Um belo para ser dividido, como o amor que não pode ser apenas o privilégio exclusivo de um, mas do outro, ou de outra, sem o qual, sem a qual, o amor não se realiza, não encontra um porto seguro, não encontra a “salvação”, um abrigo.

A poesia não é um remédio para tudo, mas serve para muitas coisas. Não deixa o rico mais rico ou menos rico, nem o pobre mais rico ou mais pobre. Nunca ouvir dizer que se joga o amor na lata de lixo. Se jogar era empulhação. Creio ter sido assim a intuito uterino  de Kênia Nicácio ao falar que o sentimento não é o que sobrou do resto que ficou para ser definitivamente posto fora.

Acho que não.

Dona de uma poesia “mole” teve a coragem amazônica de publicar um livro em tempos tão duros. Coisa de guerreira, de fazendeira do ar. É o que eu tinha a comentar. Mas nem sei se o leitor percebeu a danação de ardis que imaginei ao escrever estas mal traçadas linhas, se nem mesmo sei se o que escrevi é de fato o que quis dizer.

Chico Castro é poeta.

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