Cidades

Ensaio vencedor do Prêmio FCW de Arte tem exposição em Tiradentes

IPATINGA – O título do último trabalho desenvolvido por Rodrigo Zeferino é uma clara referência à célebre obra de George Orwell. Na sociedade descrita pelo autor inglês em “1984”, todos os cidadãos estão sob constante vigilância. Mesmo dentro de suas casas, eles assistem e são assistidos pelo onipresente Big Brother.
Experimente a sensação de circular por Ipatinga, no Vale do Aço mineiro, cidade natal do fotógrafo e artista visual, que abriga uma gigantesca planta siderúrgica. A relação dos moradores com a usina e sua presença massiva na paisagem formam o elemento central da narrativa. O ensaio foi o vencedor do Prêmio FCW de Arte 2016 e terá sua primeira exposição no Foto em Pauta Tiradentes 2018.


BIG BROTHER

Fundada no icônico ano de 1964, a cidade surge para abrigar uma usina siderúrgica, então estatal, que já estava funcionando na ocasião da emancipação do município.
O curioso é que a cidade é construída em torno da planta, circulando todo o seu perímetro. “As torres, chaminés e outras estruturas da usina são avistadas de qualquer ponto da cidade original, ela está sempre presente na paisagem”, conta Zeferino, citando o slogan de propaganda do Estado na história de Orwell: “Big Brother is watching you”.
No idioma inglês, a frase pode ser interpretada de duas formas: “O Grande Irmão zela por ti”, ou “o Grande Irmão está te observando”. Pois a relação entre comunidade e empresa sempre seguiu uma lógica semelhante, principalmente no período anterior a sua privatização – foi a primeira estatal a ter seu capital aberto no governo FHC.

MILITARISMO E DISCIPLINA
Caso sui generis na história da arquitetura modernista brasileira, Ipatinga se desenvolve dentro da formalidade que um regime militar e uma disciplina industrial exigem. Assim, ao longo do tempo seus habitantes desenvolvem certa indiferença a essa onipresença de chaminés e altos-fornos fumegantes no skyline ipatinguense.
“Apesar da repercussão positiva desse trabalho, o que me tocou mais foi receber o feedback de muitos moradores da cidade que se sentiram sensibilizados pelas imagens e confessaram ter mudado profundamente a forma de olhar a paisagem local”, conta Zeferino.

FIGURANTES

A população tem papel determinante no trabalho do fotógrafo. Na construção do ensaio, ele teve que se submeter à solicitude de moradores e proprietários de estabelecimentos que permitiram certa invasão de sua privacidade. Para evidenciar a condição de proximidade entre cotidiano social e atividade siderúrgica, Zeferino posicionava no primeiro plano da imagem as janelas e sacadas das edificações – situadas num raio de 2 km da indústria. “Requisito a participação de figurantes em cena, em horários rígidos – nas horas mais escuras – além de exigir que fiquem imóveis para que resistam o mais nitidamente possível à longa exposição.”
Essa escolha por fotografar à noite traz as motivações pessoais de quem cresceu ouvindo o mito do “monstro noturno”, lenda urbana segundo a qual, enquanto a cidade dorme, a fábrica lança na atmosfera quantidades multiplicadas de resíduos – uma suposta “tramoia” estimulada pela suposição de que menos gente estaria observando nesses momentos.
Ainda viva no imaginário popular, a quimera do “céu escarlate”, de acordo com o fotógrafo que há décadas observa o fenômeno, é na verdade fruto da ilusão óptica causada pela refração e reflexão das luzes – lâmpadas de vapor de mercúrio – que iluminam ambas, usina e cidade, gerando uma aura de tons quentes sobre o perímetro urbano, fundindo fumaça, vapor e nuvens. “É notório que, quanto maior a umidade do ar e mais baixas estiverem as nuvens, mais este fenômeno é perceptível”, diz.

SERVIÇO

A mostra em Tiradentes acontece na galeria Thi Rohrmann, onde Zeferino vai expor 10 imagens em tamanhos que variam de 1,20m a 1,60m de comprimento.

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