Cultura

Dança perde a arte de Zélia Olguin

Dona Zélia, a filha Salette e as netas: amor pela dança e dedicação à arte passou de geração a geração    (Crédito: Arquivo Pessoal)

 

IPATINGA – Mais uma referência cultural de Ipatinga deixou os palcos e encerrou sua história artística. A professora e bailarina Zélia de Souza Franco Olguin faleceu na manhã de ontem (15), por falência múltipla dos órgãos. Ela estava internada no Hospital Márcio Cunha há mais de duas semanas devido a uma pneumonia. E após o agravamento do quadro clínico foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Dona Zélia Olguin, como era chamada, tinha 87 anos e foi uma das figuras mais importantes para a cultura do Vale do Aço. Ela foi a responsável pelas primeiras manifestações artísticas da cidade e também foi uma das primeiras bailarinas da região. Além do enorme legado para a cultura regional, Zélia deixou três filhos e netos.

INÍCIO
Zélia Olguin é natural do estado de São Paulo e veio morar em Ipatinga com a família na década de 60. Ela começou sua carreira como bailarina ainda em 1949, estudando dança clássica com Madame Olenewa, uma bailarina russa do Teatro Bolshoi.
Em 1964, quando dona Zélia chegou a Ipatinga, a siderúrgica Usiminas estava sendo construída na cidade. Na década seguinte, em 1970, durante um passeio com os seus familiares pelas ruas do bairro Santa Mônica, ao avistar o antigo galpão que funcionava como bandejão da siderúrgica, ela teve uma ideia.
Zélia Olguin não pensou duas vezes e entrou no local. Ela se deparou com um amplo e bonito salão. Então decidiu conversar com a Usiminas e pedir autorização para que pudesse utilizar o espaço. A empresa concordou e dona Zélia alugou o salão.
O local recebeu o nome de ‘Academia Olguin’ e foi inaugurado em 4 de dezembro de 1971. Zélia Olguin ministrava aulas de ballet e, seu marido, Matias Olguin, utilizava o espaço para dar aulas de karatê. Zélia dedicou sua vida à dança na região e por muitos anos a academia Olguin foi o principal espaço cultural do Vale do Aço.

TEATRO
A academia funcionava muito bem, mas Zélia queria algo mais. Foi aí que ela teve a ideia de aproveitar o local para fazer um palco e receber artistas regionais. O espaço passou também a funcionar como teatro e foi o primeiro da região.
No ano de 2000, a Academia Zélia Olguin foi tombada como patrimônio cultural de Ipatinga. Atualmente o local funciona somente como espaço de dança e karatê. A sua estrutura necessita de reparos e não permite mais receber peças teatrais.
Para Leila Cunha, presidente do Conselho Municipal de Cultura de Ipatinga, Zélia plantou frutos para que os novos artistas possam colher. “Acredito que os artistas da nova geração colhem muito do que a dona Zélia Olguin plantou. Ela teve coragem de assumir a academia e ia de porta em porta pedir apoio. Ela chegou em Ipatinga e viu que a cidade não tinha nenhuma manifestação artística e veio com sede de fazer. E com certeza lutou muito para conseguir realizar tudo o que queria”, considerou Leila.

LEGADO

O amor pela dança se estendeu à filha Salette Olguin, que também se tornou bailarina e professora de balé. E posteriormente à neta, Larissa Olguin, filha de Salete. Salette, ao lado da filha, hoje dá continuidade ao legado da mãe. Elas trabalham com o projeto Centro de Referência em Dança do Vale do Aço, que oferece aulas de ballet gratuitas a crianças e adolescentes, entre 6 e 18 anos. Outra neta de Dona Zélia também dança.
A Lei Estadual de Incentivo à Cultura com o patrocínio da Usiminas é a responsável por manter o projeto, que funciona cerca de sete meses por ano.

Duas vezes aluna
Ipatinga
– A cantora e produtora cultural Valéria Altoé foi aluna de Zélia Olguin em duas ocasiões distintas. “Tive a grande honra de ter sido aluna da dona Zélia. Comecei a fazer aulas de dança na academia dela aos oito anos e fiquei até a minha adolescência. Depois me casei e mudei de cidade. Quando retornei a Ipatinga já adulta, eu voltei a fazer aulas com a dona Zélia. Além de aprender a dançar com ela, eu também aprendi a lutar junto com ela”, relembrou Valéria.
Ela revelou ainda que já precisou enxugar o palco para conseguir apresentar-se na academia. “Me lembro de vezes que eu ajudei a tirar a água do palco para que os espetáculos acontecessem. Dona Zélia não media esforços para que as cosias dessem certo e eu pude participar de muitos desses momentos. Porque o balé clássico visa também ao lado educacional e ela nos ensinou a ter disciplina e a trabalhar em equipe”, declarou a cantora.
Zélia Olguin teve uma grande influência na formação profissional de Valéria. “A dona Zélia se doou totalmente à arte e é com muita tristeza que vamos nos despedir dela. Mas também fico tranquila porque ela deu tudo que pôde e todos que passaram pela academia são eternamente gratos a ela. Hoje, muito do que aprendi com ela, eu levei para os meus shows”, concluiu Valéria Altoé.
A bailarina Ludmila Vieira Paixão foi aluna da Academia Olguin e através dos ensinamentos de Zélia, hoje mantém sua própria escola de dança. “Tive poucas aulas com a Zélia porque quando comecei a fazer dança, era a Salette quem ministrava as aulas. Mas a dona Zélia sempre ia à academia e era muito exigente. Comecei a dançar na academia Olguin e o método que era usado me ajudou muito. Saí de lá super preparada e há dois anos montei a minha escola de dança”, contou Ludmila.

TEATRO RECEBEU O NOME DA BAILARINA
IPATINGA – A bailarina Zélia de Souza Franco Olguin recebeu uma grande homenagem no ano de 1994. O primeiro teatro profissional de Ipatinga tem o seu nome.
O Teatro Zélia Olguin é um espaço destinado a abrigar eventos locais e nacionais. Localizado no bairro Cariru, em Ipatinga, o espaço possui uma programação permanente e qualificada com atrações culturais, empresariais e sociais.
Em 2010, o local passou pela sua primeira reforma estrutural e modernizou alguns equipamentos. “Comecei a trabalhar com a Salette em 2000, mas acompanhei bastante a trajetória da dona Zélia. Ela montou o 1º teatro da cidade, que tinha lugar para cerca de 250 pessoas e começou a receber grupos de dança de outras cidades e estados. Depois veio o teatro Zélia Olguin, que passou a receber grandes peças teatrais”, contou a produtora cultural Marilda Lyra.

ENDANÇA
Zélia Olguin também foi responsável pela criação do Encontro de Dança do Vale do Aço (Endança). O evento foi criado em 1985 e tem o objetivo de trazer para a região companhias de dança que desenvolvam trabalho de relevância, além de apresentar grupos da região.
Já passaram por lá Corpo, Ballet do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Cia de Dança do Palácio das Artes, Raça Cia de Dança de São Paulo, Quasar, Camaleão e Meia Ponta. Destacaram-se as companhias locais Corpo & Movimento, Hibridus, Rosaly Coura, Terpsicore, Ailton Amâncio, Flux e Orfeu, entre outras.

EXEMPLO
A presidente do Conselho Municipal de Cultura de Ipatinga, Leila Cunha, considera a trajetória de Zélia Olguin um exemplo a ser seguido. “Ela lutou pela arte e acreditou no poder da arte; em um momento que não tinha nenhum incentivo, ela foi lá e lutou. Ela nos deixa o seu legado como um grande incentivo. Porque difícil sempre foi, mas quando a gente acredita de verdade as coisas dão certo. E prova disso é a criação do Endança, que foi feito por ela”, lembrou Leila Cunha.
Ela disse ainda que aprendeu com dona Zélia a fazer arte por amor. “Lembro que ela falava que a gente tinha que fazer as coisas com amor, pois só assim as coisas aconteceriam. E mesmo depois de doente todas as vezes que eu encontrei com a dona Zélia ela estava sempre com um sorriso no rosto. Com certeza ela cumpriu o seu papel e realizou os seus desejos”, disse a presidente do Conselho Municipal de Cultura de Ipatinga.
Para a produtora cultural Marilda Lyra, a história de Zélia deve ser sempre lembrada. “A história de dona Zélia foi de muita luta, porque quando ela começou a se dedicar à arte aqui em Ipatinga ainda não tinha nada. Ela deu origem à primeira manifestação cultural da cidade e deve ser lembrada pelo exemplo de luta e abnegação”, concluiu Marilda.

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