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Bolsonaro tenta transformar militares em milícia e tem PL barrado na Câmara

Vice Mourão diz que Forças Armadas se pautarão pela legalidade, apesar de Ministério da Defesa comemorar golpe de 1964 pelo terceiro ano consecutivo. Deputado bolsonarista apresenta projeto para aumentar poderes do Planalto, com apoio das PMs

BRASÍLIA – No dia em que o Brasil atingiu novo recorde de mortos por covid-19, com 3.780 óbitos nas últimas 24 horas, o Governo Jair Bolsonaro demonstrou mais uma vez que não está entre suas prioridades as estratégias para frear o avanço do coronavírus. O Palácio do Planalto dedicou seu tempo a amplificar a crise política-militar provocada pelo próprio presidente, com a demissão do ministro da Defesa, seguida da saída em protesto dos três comandantes das Forças Armadas, Marinha, Exército e Aeronáutica, algo inédito desde a redemocratização. Acuado pelo Congresso e de olho em sua base mais radical, o objetivo do presidente, ao longo de todo dia, foi enviar a mensagem de que estava enquadrando as forças militares, e não sendo um alvo de protesto do alto escalão castrense.

AUTOGOLPE

As especulações sobre um possível autogolpe, uma ruptura institucional ou a decretação de estado de sítio, ou de defesa, era tamanho, que precisou o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, vir a público para arrefecer os ânimos. “As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”, disse ao portal G1. Mourão apenas reforçou o que prega a Constituição Federal, mas que parece ser necessário ser dito a cada movimento radical feito pelo chefe do Executivo.

Foi nessa toada que o bolsonarismo insistiu em quatro estratégias diversionistas: 1. difundiu a informação de que Bolsonaro foi severo e demitiu os três comandantes militares, enquanto que, na realidade, foram eles quem entregaram seus cargos por discordarem da demissão do então ministro da defesa, Fernando Azevedo e Silva da Defesa; 2. costurou estratégias para furar a fila de promoção no Exército e encontrar um novo comandante; 3. usou um de seus fiéis aliados na Câmara dos Deputados, o major Vitor Hugo (PSL-GO), para tentar colocar em votação um projeto de lei que ampliasse os poderes do presidente durante a pandemia e pudesse impedir decretos estaduais de lockdowns. 4. Determinou, como tem feito desde que chegou ao poder, que seu novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, assinasse um expediente chamado “ordem do dia” a ser lido nos quartéis de todo o país nesta quarta-feira exaltando positivamente o golpe militar de 1964 ―o texto é sempre celebrado pela base do presidente, que defende abertamente a volta de um regime militar, em torno de 10% da população nas pesquisas.

DEMISSÕES

Logo pela manhã, o ministro-general Braga Netto, comunicou aos comandantes das Forças, o general Edson Pujol (Exército), o almirante Ilques Barbosa (Marinha) e o tenente-brigadeiro do Ar Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica) que eles estavam demitidos por ordem do comandante-em-chefe, o presidente Bolsonaro. O trio já estava disposto a entregar os cargos em apoio ao ex-ministro Fernando Azevedo e Silva, que saiu enviando recado de que sempre preservadou “as Forças Armadas como instituições de Estado”, deixando antever uma pressão do Planalto do contrário. Ainda assim, a reunião entre eles foi tensa. Ilques Barbosa, que tem como marca a serenidade, exaltou-se reclamou que as mudanças interferem na imagem das forças e que Bolsonaro estava levando a política para dentro dos quartéis. Braga Netto, conhecido por ser pouco afeito a gentilezas, chegou a bater na mesa e gritou com os demais presentes na reunião, conforme dois relatos feitos à reportagem.

MILITARES E MILITARES

De pronto, o novo ministro mostra uma de suas principais características. “No meio militar há os que lideram, e os que mandam. O general Fernando era um líder. Não se pode dizer o mesmo do general Braga Netto”, afirmou o cientista político, Alexandre Fuccille, professor da Universidade Estadual Paulista e pesquisador na área de Defesa.

Essa movimentação nos comandos obrigará Bolsonaro a alterar a escala de promoções no Exército. Geralmente, é promovido comandante o oficial mais antigo. Mas a intenção do presidente é promover o quinto general com mais tempo de casa, o atual comandante da região Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes. Dessa maneira, entraria compulsoriamente na reserva remunerada os quatro generais mais antigos que Freire Gomes. Todos são muito ligados a Pujol, com quem Bolsonaro já estava rompido, ou ocuparam cargos de relevância em outros governos.

POLITIZAÇÃO DAS FORÇAS

Assim, a escolha dos novos comandantes devem ser marcadas por suas posturas políticas do passado também, segundo um oficial relatou à reportagem. “O estrago que o Bolsonaro está fazendo com a hiperpolitização das Forças Armadas é tremendo. Elas deveriam deixar a política fora dos quartéis, mas não é isso que ocorre”, avaliou o pesquisador Fuccille.

Há a possibilidade de o novo comandante ser anunciado nesta quarta-feira, dia 31 de março, quando mais dois generais serão promovidos, dentro do esperado pela carreira, e os quartéis comemorarão o golpe militar. “As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o País, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”, diz trecho da ordem do dia assinada por Braga Netto em uma mais tentativa de reescrever a história brasileira negando que tenha havido um rompimento da ordem institucional. Por fim, o ministro ainda anota: “O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”. A intenção do Governo de celebrar o golpe é tão marcada que o Planalto fez a Advocacia-Geral da União entrar na Justiça para garantir o direito dos militares e outras instituições de celebrar a chegada de 21 anos de ditadura, algo inimaginável nos vizinhos latino-americanos que também estiveram sob regimes militares.

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