Cidades

Audiência final do Plano Diretor gera insatisfação dos participantes

O pastor Antônio Carlos questionou como uma área mexida e desaterrada para a construção de uma avenida pode ser considerada área de preservação ambiental; O advogado Fernando Albeny questionou por que a área da Fazenda Geraldo Damásio não permaneceu como área de expansão urbana      (Fotos: Nadieli Sathler)


IPATINGA
– A versão final do Plano Diretor Participativo apresentado à sociedade civil organizada, advogados, engenheiros, arquitetos e comunidade em geral na noite de anteontem (28), durante a Conferência Final realizada no 7° andar da Prefeitura, não agradou aos participantes.

Por quase três horas, os técnicos da Fundação Gorceix esmiuçaram os tópicos da apresentação expondo a minuta do projeto de lei que será enviado ao Legislativo. Ao mostrar os parâmetros urbanísticos e o mapa final do zoneamento elaborado, o descontentamento foi geral.

Já passavam das 21h quando a palavra foi aberta ao público. O primeiro a esboçar sua insatisfação foi o pastor Antônio Carlos Alves Paixão. Na qualidade de representante da Igreja Batista Missionária, ele questionou a definição do terreno que a igreja possui no Morro do C3, bairro Iguaçu, como área de preservação ambiental.

“O Plano Diretor está sendo apresentado e o meu questionamento é por causa das incoerências. A primeira que nós detectamos é quanto à área de 109.000 m2 que a igreja tem registrada, comprada e paga. Temos a proposta de construir no local o Centro Social de Ipatinga, que é um espaço de convenções pensado há oito anos. Agora somos apresentados aqui que a área está inserida na área de preservação ambiental”, falou.

O pastor ressaltou que a Associação Missionária não foi consultada em nenhum momento por ninguém. “A minha surpresa é porque a nossa área está classificada como de proteção, temos a escritura. Então se é uma requisição do município, deveríamos pelo menos ter sido consultados”, opinou.

Outro argumento usado por Antonio Carlos é que a área classificada como de proteção ambiental não possui nenhuma árvore e ainda foi mexida em função da construção da avenida Manaaim.
“Procuramos a Prefeitura de Ipatinga e oferecemos a nossa área para servir de canteiro de obra, pois sabemos que a via será solução para o trânsito da cidade. Estão, usando parte da nossa área para fazer pavimentação, utilizaram ainda mais de 60.000 m3 de terra virgem retirada da nossa área”, citou.

Ao final de sua fala, o pastor ponderou que a igreja não será impedimento para o progresso da cidade. “Se precisam construir uma avenida nós somos parceiros. Agora o que não é admissível é que a gente veja uma área que já está mexida, que não possui sequer um pé de cebola ou árvore, estar sendo apresentada como área de preservação ambiental. Por favor, não votem”, pediu.

BRIGAS JUDICIAIS
O procurador do Legislativo, Vinícius Milanez, foi o segundo inscrito para fazer uso da palavra. Ele levantou a questão jurídica de uma área que pertence à Usiminas, considerada no Plano Diretor de 2006 como área de expansão. O terreno em questão fica em frente à concessionária Auto Giro, na avenida Cláudio Moura. Hoje, o projeto a coloca como área verde.

“Estamos aqui não para brincar, temos um plano diretor que vai para votação na Câmara e lá vou ter que discutir essa questão com os vereadores. Essa área em questão foi fruto de uma ação judicial, contra o Plano Diretor de 2006. Nesse local, o juiz Fábio Torres declarou como área verde. A empresa proprietária recorreu da decisão e o Ministério Público acabou propondo um TAC que acabou denominando o local como área verde/industrial, ou seja, passível de expansão”, explicou.

Por isso, o advogado ponderou que o Plano Diretor elaborado deveria ter observado as decisões judiciais fruto de questionamentos no plano anterior. Assim como a área da avenida Cláudio Moura, outros terrenos foram alvo da Ação Civil Pública proposta pelo promotor Walter Freitas.
Hérica Portela, também advogada, apontou algumas irregularidades que encontrou no mapa de zoneamento apresentado pelo novo Plano Diretor. Ela citou como exemplo a área situada no bairro Bela Vista, em que está sendo construído um laboratório para ser doado ao Ministério Público.

“Em todas as audiências apresentamos à equipe da Fundação a situação dessa área, o cartório já emitiu um documento declarando que o terreno não é passível de registro sem que se tenha a lei que desafetou. Identificamos ainda outras áreas que pertencem à iniciativa privada e que aparecem em amarelo nesse mapa”, falou

A área classificada como amarela deve ser destinada a grandes empreendimentos de interesse público, ou seja, está sujeita apenas a intervenções de iniciativa da Prefeitura de Ipatinga.
“Acho isso muito grave e já era para ter corrigido. Eles querem empurrar o Plano Diretor de qualquer jeito. Que dia que a lei de uso e ocupação do solo foi realmente discutida com a comunidade? Nunca, e o Estatuto das Cidades prevê que o plano tem que ser discutido. Quero registrar que esse estudo não pode ser entregue para o município como serviço terminado pela Fundação Gorceix, porque nenhum questionamento das conferências foi respondido”, reforçou.

BOM JARDIM
O advogado Fernando Albeny é representante legal da empresa Solevare Empreendimentos, que detém uma área de 1,5 milhão m2 na Estrada das Lavadeiras, bairro Bom Jardim.
“Temos uma proposta de empreendimento imobiliário para a área que inclusive foi apresentada para toda a comunidade do bairro Bom Jardim e não enfrentou objeção. Vale ressaltar que em propostas anteriores a população mostrou impedimentos em outros projetos. Diferente das outras propostas, a nossa é totalmente sustentável”, declarou.

O defensor também reiterou que os parâmetros esboçados deveriam ter sido divulgados previamente, para que as partes interessadas pudessem se preparar para os questionamentos.
“Estamos fazendo estudos grandiosos de geologia, hidrologia, hidrogeologia e geotecnia dando parecer favorável ao empreendimento. A nossa proposta é usar em torno de 400.000 m2 e os outros 1 milhão serem usados como área verde. Essa área esteve classificada como expansão urbana até 2011, hoje ela está como sensível para estudos, o que me deixa um pouco mais tranquilo”, justificou.

Fernando lembrou também que a área conhecida como Fazenda Geraldo Damásio não foi incluída nas áreas questionadas pela ação civil pública do MP movida contra o plano diretor de 2006. “Essa área sempre foi de expansão urbana, ela sobreviveu à ação que transformou praticamente todas as áreas classificadas como de expansão urbana no Plano Diretor de 2006 para área verde. Se não há motivos para mudar o direcionamento dela, então que se mantivesse a destinação que já estava”, pediu.

NOVO CRUZEIRO
O presidente da Associação de Moradores do Bairro Novo Cruzeiro (Ambanoc), Eziel de Assis Viana, também reiterou que as reivindicações apresentadas pela comunidade do seu bairro não foram atendidas.

“Tivemos quatro reuniões no bairro, além da audiência marcada pela equipe do Plano Diretor para apresentar a proposta da fundação para os moradores e também tentarmos o bom senso. O nosso bairro tem um diferencial, só que a proposta de vocês (Gorceix) é totalmente ridícula. É como se vocês chegassem ao bairro e mandassem o morador comprar o lote do lado para poder construir”, reclamou.

O representante da comunidade esboçou apenas que as famílias não querem construir prédio, mas apenas duas moradas. “Aí chegam vocês e dizem que é um pavimento e pronto, e ainda querem colocar um afastamento que é impossível cumprir pelo tamanho dos lotes que existem no bairro”, criticou Oziel.

ESTAGNAÇÃO

Para o construtor Wallace Barreto, o Plano Diretor, da maneira como foi apresentado, vai travar ainda mais o mercado da construção civil no município. Ele reforçou as denúncias de que os parâmetros não foram discutidos hora nenhuma com a comunidade ou a sociedade organizada.

“Na avenida Brasil, no bairro Iguaçu, não pode verticalizar porque foi definido que o local não pode ter alto adensamento. Nas margens da BR-381, no bairro Horto, pode. Qual a coerência disso e o estudo técnico que comprova essas propostas? Nas ruas largas do bairro Horto, como a rua Palmeiras, não podem ser construídos prédios. Não soa como uma coisa técnica, mas sim como um proposta feita pelo sentimentalismo”, citou.

O engenheiro lembrou que o município corre um sério risco de ter o preço de casas e lotes desvalorizados, e os apartamentos já construídos subirem de preço, o que pode acirrar ainda mais o problema de falta de moradia existente na cidade.
“Os mesmos parâmetros discutidos em relação ao TAC ficaram ainda piores. Se com o TAC estava difícil de trabalhar, com essas colocações vai se agravar mais. Parece que a Fundação Gorceix veio para inibir o desenvolvimento em Ipatinga”.

ESTUDOS
O engenheiro civil Renato Rodrigues de Araújo solicitou que a Fundação Gorceix disponibilizasse os relatórios que demonstram e comprovam os coeficientes de adensamento proposto pela entidade.
“O que vejo é que esses coeficientes são cópias de outras cidades. Para mim, Plano Diretor e lei de uso e ocupação do solo conjugado têm que ser estudados caso a caso. A minha cidade é diferente de outra que eles estão tentando copiar parâmetros. Um exemplo fácil de se perceber é que numa rede de esgoto, em função do diâmetro de uma tubulação, sei qual a população limite que a rede suporta. Queria saber por exemplo se eles estudarem num bairro o diâmetro que existe lá e a população que usa essa rede e o quanto ela pode crescer, isso para mostrar que o adensamento máximo naquela rua é esse”, explanou.
(Nadieli Sathler)

 


O construtor Wallace Barreto lembrou que há sério risco de os lotes se desvalorizarem e os apartamentos já construídos subirem de preço; Eziel Assis: “O nosso bairro tem um diferencial, só que a proposta de vocês (Gorceix) é totalmente ridícula”, criticou

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