Nacionais

A cidade de desdentados e de desmemoriados

(*) Fernando Benedito Jr.

Ainda não está muito claro como o governo Quintão conseguiu contabilizar uma demanda de 8 mil usuários que, segundo a Prefeitura, esperam desde 2009 – como sempre, herança dos governos anteriores – pela confecção de prótese parcial (roth) ou total (dentadura). De qualquer maneira, pobre a cidade que precisa de um programa ou, como dizem, de uma “política pública” de distribuição de dentaduras.
Embora já saiba antecipadamente o número de desdentados, o prefeito Sebastião Quintão explica que “para participar do mutirão a pessoa deve estar inscrita no projeto. Serão atendidos aqueles casos mais urgentes. Existe uma demanda reprimida e nós vamos resolver”, garantiu. Ora, se os 8 mil já estão catalogados e são 8 mil, por que precisam se inscrever no projeto?
As políticas públicas de saúde bucal mais decentes de que se tinha notícia na cidade foram “exterminadas” exatamente pelo atual prefeito em seu mandato anterior, quando acabou com a Clínica do Bebê, um projeto considerado exemplar, que buscava combater a incidência de cáries ainda na infância para evitar que se chegasse à idade adulta precisando de denturas ou roths. Pelo jeito, à época, o prefeito achou que aquilo era desnecessário e resolveu acabar com aquela bobagem de ficar esfregando gengivas de bebês, afinal, um dia ele voltaria para distribuir dentaduras. Deveria aproveitar o ensejo e distribuir também chips de inteligência artificial para parcela da população que apóia este tipo de “idéia genial”.
Naquela mesma sequência, Quintão aproveitou e acabou também com os consultórios dentários nas escolas ou pelo menos com grande parte deles, com a proposta de juntar tudo num grande centro odontológico. Acabou foi com tudo e também não conseguiu beneficiar a iniciativa privada.
Símbolo do atraso, o País dos desdentados estava ficando para trás até que os golpistas acharam por bem mudar as políticas de combate à pobreza e substituí-las pelo antigo assistencialismo coronelista que, ao contrário de resolver definitivamente os problemas, promete paliativos vergonhosos (nem sempre cumpridos) que só mentes tacanhas, como a dos autores de tais “políticas públicas” não conseguem ver. Nem seus assessores imediatos que deveriam ter vergonha e pedir demissão diante de tamanho descalabro e insensatez. Aliás, não sem razão a primeira a “desembarcar” do governo Quintão foi exatamente a secretária de Saúde.
Clínica do Bebê não pode, mas distribuir dentadura pode. Onde já se viu isso?
Bom, em Ipatinga se vê isso. E o pior: sob os aplausos de algumas pessoas que para não admitirem que fizeram uma escolha ruim, por puro ódio, rancor, mágoa ou sabe-se lá que tipo de sentimento ignóbil seja este, apóiam e acham bonito este tipo de prática.
Só à guisa de comparação, em 2003, o chamado CPO-D (índice internacional que mensura a taxa de dentes Cariados, Perdidos, Obturados e outros tratamentos) em Ipatinga, após breve período de investimento no setor, era de 0,44. Tratava-se de um índice bem abaixo dos 2,1 do Brasil e de países como Estados Unidos (1,1), Alemanha e Dinamarca (0,7).
Hoje, graças a uma “política pública” medíocre, opta-se por distribuir dentaduras e roths, como se estivessem fazendo um grande favor à população desprovida de dentes, mal sabendo os desdentados que são eles vítimas de uma ignorância política que os faz desdentados.
E isso para ficarmos somente na questão da saúde bucal.
Na verdade, políticas públicas decentes por parte do governo municipal deveriam estar discutindo temas mais sérios do que a distribuição de dentaduras ou entrega de aspirinas na casa de doentes terminais. Deveriam estar debatendo com mais profundidade e energia a gravidade da crise hospitalar na região, investindo no aumento do número de leitos para internação, melhorando os programas de saúde da família, colocando remédios, equipamentos e materiais (luvas descartáveis e seringas, por exemplo) em hospitais, UPA e unidades de saúde, buscar uma forma de cumprir as promessas de campanha e construir outra UPA, colocar o SAMU regional para funcionar, criar um projeto melhor do que o Mais Médicos que fizeram de tudo para acabar, enfim, fazer tudo aquilo que criticaram, contestaram e destruíram sem apresentar nenhuma alternativa sustentável e responsável para colocar no lugar.
Só que não. A mediocridade não deixa e as coisas ficam só da boca pra fora.

(*) Fernando Benedito Jr. é editor do Diário Popular.

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